O salão era pequeno, o caldo fervia sem parar e os garçons mal conseguiam atender a todos. A casa recém-aberta no Paraíso estava sempre cheia. Era comum ver clientes esperando na calçada, o movimento intenso, o vai e vem atropelado no balcão.
Em meio ao caos, Yasmin Yonashiro se destacava por um detalhe: ia até a geladeira pegar a própria bebida, sem cerimônia, desafiando o serviço que não dava conta do movimento.
A cena, que se repetia com frequência, foi o prelúdio de uma amizade improvável. E, a partir dela, nasceu uma das histórias de maior sucesso da gastronomia japonesa em São Paulo.
O destino de Yasmin e Simone Xirata parecia traçado para se encontrarem. A trajetória de Simone, idealizadora do restaurante Jojo Ramen, começou com o desejo de honrar e resgatar suas raízes. Formada em administração, ela se viu em uma carreira no mercado financeiro que, apesar de bem-sucedida, não ressoava com sua alma.
A virada ocorreu em sua primeira viagem ao Japão, quando a visita à cidade de sua avó materna, Fukuoka, se tornou uma epifania. Ali, ao degustar um lámen pela primeira vez, percebeu que havia descoberto a sua verdadeira paixão.

O prato se tornou o elo que uniu o ímpeto empreendedor à cultura que ela redescobria: “Eu entendi que minhas duas grandes paixões, que eram a cultura japonesa e o mundo dos negócios, podiam se misturar e se transformar numa coisa só”. Seu foco era singular: fazer um lámen rigorosamente fiel à tradição japonesa, com caldo profundo, massa fresca e precisão no ponto.
Yasmin, por sua vez, já havia pavimentado seu caminho no universo da cultura de seus ancestrais. “Comecei trabalhando como hostess há 20 anos. Foi ali que vi a possibilidade de estudar a cultura do Japão através do saquê. Quando você é jovem, fica desesperada. Tudo o que puder aprender, você vai atrás, pelo menos essa era a minha vontade”, conta ela, que obteve a certificação japonesa SSI do Sake Institute em 2012, numa época em que poucos eram especializados na bebida fermentada por aqui.

Consagrada como sommelière de saquê e embaixadora da bebida, ela moldou sua carreira em torno do omotenashi, a filosofia da hospitalidade japonesa que transcende a mera formalidade. Para ela, o conceito não se trata de uma técnica “elitista”, mas um ato de servir com amor.
“É atender com coração e se preocupar antes de o cliente pedir. É uma forma de adivinhar o que a pessoa quer.” Sua visão, focada na jornada do cliente, era o contraponto necessário à obsessão técnica de Simone.
Na primeira visita de Yasmin ao Jojo, logo em sua inauguração em 2016, a paixão foi imediata. “Quando eu gosto de alguma coisa, fico viciada. Eu ia toda semana, ficava duas horas na fila, sozinha. A primeira vez que provei falei até um palavrão, de tão bom. Eu levava minha família, meus amigos, todo mundo”, relembra.

Figura conhecida no espaço, a consultora de gestão de serviço era famosa por se sentir à vontade — até demais — no restaurante, a ponto de abrir a geladeira para servir-se e “atormentar os garçons”, como recorda Simone.
“Até que um dia, depois de seis meses frequentando como cliente, bebi uma garrafa de 1800 ml de saquê, vi a Simone e tomei a coragem de falar: ‘Você é muito foda’. E saí andando, todo mundo achou que eu era louca, inclusive ela”, se diverte.

Ciente do talento de Yasmin, Simone a procurou pouco depois com a ideia de contratá-la para um treinamento de saquê. “Ela me falou que sabia que o serviço da casa não era muito bom, e se eu conhecia alguém que dava esse tipo de consultoria. E eu respondi: ‘Prazer, Yasmin’.”

A sinceridade da sommelière foi o gatilho para o que viria a ser uma parceria indissolúvel. Simone, que até então se dedicava integralmente à perfeição do caldo e dos ingredientes, reconheceu a necessidade de aprimorar a experiência do salão. O que começou como uma consultoria se tornou uma sociedade, unindo força criativa e expertise.
SABORES DE HOKKAIDO

Quase uma década depois, essa dualidade é o motor que impulsiona a expansão da marca. O Jojo soma quatro unidades, cada qual com uma personalidade distinta, e uma legião de fãs que ultrapassa a bolha da culinária japonesa.
A mais recente, em Pinheiros, leva essa filosofia a um novo patamar. O cardápio da casa, inaugurada em julho deste ano, é inspirado na ilha de Hokkaido, ao norte do Japão, e celebra o mar e a sua riqueza.
Longe de simplesmente replicar as receitas dos gotochi ramen (regionais), a abordagem é autoral e ousada: “A gente não quer fazer o lámen da região, mas sim trazer os ingredientes da região para criar o nosso”. Ao apresentar insumos diferentes, Yasmin explica que o objetivo é fugir de uma “caricatura” da gastronomia do país, através de um olhar de cuidado para a matéria-prima.

A essência da nova casa reside na exploração de uma outra leitura do lámen, mais leve e fresca, com caldos translúcidos e uma abundância de frutos do mar. Um exemplo é o aromático Hotate Shio Butter, que traz hossomen (macarrão fino) com caldo de frango e tare de shio com vieira. No topo, são adicionadas as famosas vieiras de Hokkaido, chashu de porco, negui e naganegui.
Outro ponto alto são as vieiras frescas cortadas em lâminas no estilo ussuzukuri (bem fininhas), servidas com molho de shoyu cítrico de yuzu com avocado. A excelência dos pratos foi construída a partir das referências de viagens da dupla, unidas à técnica de Meguru Baba (ex-D.O.M e chef do Coltivi), que assina o menu, além do japonês Takeshi Koitani, ramen master que é inspiração e parceiro do Jojo desde o início.

Tamanho crescimento da marca, no entanto, nunca foi movido pela ambição de se tornar uma rede. A dupla defende um crescimento orgânico e consciente. “Não abrimos só por abrir. Tudo tem que fazer sentido, tanto do ponto de vista criativo quanto operacional. Cada casa precisa ter sua identidade”, afirmam as sócias.

A unidade de Pinheiros é a prova viva desse cuidado. Com uma atmosfera leve, bar caprichado e cozinha aberta onde se pode observar o preparo dos caldos, a casa é um espaço de celebração.
É o amadurecimento de um projeto que, embora tenha nascido no caos, se transformou em um organismo vivo. Ali, a maestria técnica de Simone e a arte de receber de Yasmin se encontram para emocionar a cada tigela de lámen.
CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
Texto Marina Marques
Fotos Breno da Matta
Concepção visual Catarina Moura e Mika Nanba
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