No senso comum, se existe algo a ser evitado ao abrir um negócio é envolver a família no processo. Contudo, Ida Maria Frank nunca foi fã dos conceitos pré-estabelecidos.
Perto de completar 80 anos, a empreendedora começou sua história na cozinha muito cedo: gostava mais de brincar de cozinhar do que de boneca. “Desde muito pequena amava comer, então tudo começou pelo paladar. Sou baiana e sempre apreciei os sabores do dendê, da moqueca de camarão…”, conta com serenidade e um sorriso no rosto, acompanhada por Virginia Jancsó, sua filha — e sócia.
Reunidas para um cardápio em clima natalino, que traz pitadas de seus preparos favoritos para o final do ano, as duas aproveitam para relembrar a trajetória de quase 20 anos de restaurante em uma das mesas da unidade mais recente do Due Cuochi, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Se hoje a ideia de uma mulher chef de cozinha não parece tão fora do comum, à época tudo era diferente. Vinda de uma família de classe média alta, era inconcebível que uma jovem mulher seguisse o rumo da culinária. “Há 70 anos, não dava para ser cozinheira”, enfatiza o substantivo no feminino.
Sendo assim, transformou a paixão em hobby e especializou-se em diferentes gastronomias: primeiro, na baiana; depois, nas técnicas clássicas francesas; por fim, na fartura das massas italianas. Mas antes disso ser possível, sua juventude foi dedicada à carreira como socióloga, área de sua formação. Fato, inclusive, que explica muito sua visão política da cozinha.
Em 1983, Ida foi vereadora na cidade de São Paulo e também Presidente do Conselho Estadual da Condição Feminina. “Nessa época, eu fui para os órgãos de imprensa brigar pelo aumento do tempo da licença-maternidade. Bati de frente com muitos empresários. Acho que fui vanguarda.”
Anteriormente a essa luta, ainda na faculdade, Ida estava sempre presente no burburinho político acadêmico: participava do Grêmio Estudantil e da União Nacional dos Estudantes. “Eu saía em passeata nas ruas e, durante a Ditadura Militar, estive presa”, relembra sobre o fato que a fez ser exilada e viver fora do país.
Muitos anos depois, de volta ao Brasil, a única certeza que tinha em mente era a de abrir um restaurante. “Isso sempre fervilhou na minha cabeça. É o espaço da criação, da generosidade e de oferecer aquilo que mais sei fazer, que é cozinhar. Então, acho que minha história na gastronomia tem tudo a ver com a minha história política.”
Sociedade entre mãe e filha
No tempo em que viveu fora do Brasil, Ida Maria apaixonou-se por novas gastronomias, mais especificamente pela de Paris. Foi assim que nasceu com ela a ideia de abrir um negócio que exaltasse os sabores franceses. E ninguém melhor para embarcar nesse desafio do que sua própria filha.
“Eu trabalhava em outra área e engravidei. Nesse período, ela morava na França e ficou viúva. Foi um resgate lindo eu poder estar junto com a minha mãe e ter a possibilidade de criar bem minha filha”, relata Virginia sobre o convite feito há 27 anos.
A relação na mesa sempre existiu na casa da família: era em volta da comida que as memórias se criavam, e foi a partir desse sentimento que as receitas foram tomando forma para o restaurante.
“Sempre tivemos essa tradição com a minha avó, essa coisa de ter momentos de entendimento de amor à mesa. Então, quando a gente começou, existia também uma inocência maravilhosa. Aprendemos tomando muito na cabeça, mas foi lindo porque queríamos oferecer o melhor. Aos poucos, fomos fazendo uma comida como na casa da gente, mas aprendendo a ser empresárias.”
Um pedacinho da Itália na terra da garoa
Instaladas em São Paulo, a cidade mostrou que ansiava por um restaurante que fizesse as criações italianas brilharem. E foi assim que, em 2005, deixaram a culinária francesa para trás e inauguraram o Due Cuochi, restaurante de mãe e filha focado nas massas caseiras e outros preparos aconchegantes.
Hoje, a dupla conta com quatro unidades na capital paulista: Itaim Bibi, Morumbi, Cidade Jardim e Pinheiros — esta última, inaugurada em 2022, traz uma versão mais descontraída, tanto no ambiente, quanto na cozinha.
“Nunca fui atraída por fazer um restaurante de alta gastronomia, mas sim cosmopolita. Hoje não estou mais atrás do fogão, até pela minha idade, mas sempre busquei um restaurante que não estivesse vinculado a um chef ou a uma assinatura, mas que tivesse uma comida que abraçasse um público maior a um custo atingível”, explica a matriarca.
Nesses 20 anos de casa, Virgínia gosta de enfatizar os fortes laços da parceria familiar: “Existem as tempestades, os desafios, mas a gente não abandonou o barco e nem uma a outra”, reforça. Ao que a mãe complementa: “Este ano, nós vamos ter uma linda mesa de Natal, feita a quatro mãos por ela e por mim. O meu maior prazer é ter a família e os amigos em torno da mesa”.
Sabor de Natal em família
A boa notícia é que algumas das especialidades dessa ceia em família estão aqui, nos parágrafos seguintes. Para esta mesa posta, produzida a partir da linha Seleção Casa CLAUDIA e criada em parceria com a importadora Full Fit, a dupla trouxe alguns de seus preparos mais emblemáticos: a começar pelo bacalhau, item sempre presente no Natal da família.
Aqui, o peixe aparece numa brandade, prato de origem francesa feito da mistura de bacalhau, purê de batatas e creme de leite fresco. Ainda nas entradinhas, o polvo grelhado traz frescor para o verão ao ser servido com caponata.
Representando o DNA italiano da casa, o fettuccine artesanal é preparado com um generoso e suculento ragu de pato; já para quem não consome carne, a opção é o aromático nhoque de batatas com cogumelos trufados. Brilha ainda na mesa a paleta de cordeiro com risoto de limão-siciliano — o corte é servido com um molho do próprio assado e garante um glaceado reluzente.
Por fim, a mesa de sobremesas desta ceia ganha opções para gostos opostos: uma torta com bastante chocolate (mas sem farinha) e uma delicada pera cozida e servida numa cestinha crocante, cheia de especiarias. O sabor é de Natal.
Receita de Brandade de Bacalhau
Ingredientes
Para o bacalhau
- ½ cebola-roxa picada
- 1 alho-poró picado
- 30g de manteiga
- 40ml de azeite extravirgem
- 500g de lombo de bacalhau
- assado, em lascas
- 100ml de creme de leite fresco
- 200g de purê de batata
- Para a salsa de azeitonas
- 70g de azeitonas pretas picadas
- 70g de azeitonas verdes picadas
- 1 dente de alho picado
- Ciboulette a gosto
- 80ml de azeite extravirgem
- Para a fonduta
- 400ml de creme de leite fresco
- 120g de queijo Grana Padano ralado
- 30g de manteiga
- Para a cebola crocante
- ½ litro de óleo de girassol
- 2 cebolas roxas, em rodelas bem finas
- Finalização
- Aceto balsâmico a gosto
Modo de preparo
- Prepare o bacalhau: Em uma panela, doure a cebola e o alho-poró na manteiga com o azeite. Acrescente o bacalhau e mexa bem, até desfiar. Adicione o creme de leite e o purê e bata bem com a colher, até que fique bem cremoso. Corrija o sal e reserve.
- Prepare a salsa de azeitonas: Misture todos os ingredientes e reserve.
- Prepare a fonduta: Aqueça o creme de leite e adicione o queijo e a manteiga. Bata bem com um mixer, até que a mistura esteja bem cremosa e lisa. Reserve.
- Prepare a cebola crocante: Em uma frigideira, aqueça o óleo e frite a cebola até que esteja bem dourada. Escorra em papel toalha e reserve.
- Finalização: Divida o bacalhau em quatro porções, forme quenelles com ajuda de duas colheres e as arrume no centro dos pratos de servir refratários. Regue as quenelles com a fonduta e leve ao forno a 180ºC, até que fiquem levemente douradas. Complete os pratos com a salsa de azeitonas, a cebola crocante e um fio de aceto balsâmico. Rende 4 porções.
Seja na produção de uma ceia em conjunto ou nas resoluções desafiadoras que um empreendimento exige no dia a dia, a certeza aqui é a de cumplicidade.
“Nossa relação cresceu muito. Nós somos mãe e filha antes de qualquer coisa, mas também somos parceiras, fazemos as confidências mais íntimas. Isso consolidou tanto a relação de mãe e filha como a de duas grandes amigas. Eu acho que é isso, vejo nela minha grande cúmplice”, declara Ida para Virgínia, fazendo os olhos da filha marejarem.
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