Imagine a seguinte sobremesa. Um bolinho feito com cravo, canela e mel de mandaçaia (uma espécie de abelha do semi-árido baiano), banhado por um creme de speculoos, biscoito natalino de origem belga, que nessa versão é feito com mel de uruçu (uma abelha um pouco maior, natural do litoral nordestino), coberto por uma bola de sorvete de mel de tiúba (outra espécie, que se espalha pelo Pará e Maranhão), um honeycomb de mel de borá (levemente salgado, encontrado em colmeias escondidas em árvores ocas) e pincelado por um gel de mel de emerina (mais ácido, feito por outra abelha, de apenas 3 milímetros) — tudo isso salpicado com pólen.
Pois foi essa sobremesa, inventada em 2019 por Bianca Mirabili, chef de confeitaria do premiado restaurante paulistano Evvai, que a confirmou como uma das grandes artesãs de sobremesas do Brasil.
Bianca tinha apenas 23 anos quando criou o Pão de Mel de Abelhas Nativas, o primeiro prato que lhe rendeu destaque na imprensa gastronômica. A sobremesa exemplifica o cuidado e o esmero trazidos pelo Evvai, comandado pelo chef Luiz Filipe Souza, que em 2025 repetiu as duas estrelas no Guia Michelin conquistadas em 2024, além do prêmio de melhor sommelier do Brasil para Marcelo Fonseca.
Bianca é literalmente cria do Evvai. Com exceção de dois curtos estágios em outras casas — Fasano e Salvatore Loi — fez toda sua carreira no endereço que mistura influências italianas a sabores brasileiros. Foi de estagiária a confeiteira e depois chef de confeitaria do Evvai em menos de um ano, um feito que, ironicamente, jamais se viu realizando. “A única certeza que eu tinha na minha vida era a de que não queria a confeitaria”, conta hoje, aos risos.
Longe do conforto
Nascida na Vila Matilde, Zona Leste de São Paulo, Bianca vem de uma típica família de ascendência italiana. Lembra com carinho dos domingos de sua infância, passados na cozinha da avó e da tia, em que todos se reuniam para preparar enormes travessas de lasanha e compota de berinjela. Aos 16 anos, teve sua primeira experiência profissional — ainda um tanto familiar.
Começou a trabalhar depois da escola em uma confeitaria de bairro, de uma vizinha recém-formada em gastronomia, especializada em cupcakes e ovos de páscoa caseiros. Em troca de 10% do faturamento, Bianca ficava até tarde da noite ajudando a finalizar as encomendas.

Já na faculdade de gastronomia, quando passou a procurar seu primeiro estágio, incluiu a experiência com a vizinha no currículo e foi chamada pelo Fasano, justamente para a confeitaria. “Eu tinha um preconceito de que era uma área muito exata, muito certinha, com pouco espaço para o feeling”, diz. “Eu não sabia de nada, né? Tadinha.”
Depois do Fasano, estagiou no Salvatore Loi e, por fim, no Evvai. A chegada por lá também coincidiu com outros aprendizados. Bianca ganhou um carro de presente do pai na mesma semana em que foi convidada a cobrir as férias de uma confeiteira do restaurante. “Eu nunca tinha saído lá da Zona Leste dirigindo, atravessado a Radial, a Avenida Rebouças.
Vim da ZL pensando: ‘tomara que eu não tenha que fazer baliza, tomara que eu não tenha que fazer baliza’”, lembra, gargalhando. Ao final de um mês de muito trabalho e quilômetros rodados, acabou contratada.
Foi no Evvai que ela entendeu que a confeitaria é, sim, uma área de profunda criatividade. Lá, criou um memorável picolé de foie gras em 2017, além de invenções como o Coco-liflor, que unia coco fresco, couve-flor e chocolate branco, ou uma perfeita pamonhinha de milho verde servida com sorvete de baunilha do cerrado e caviar que estava no menu até junho deste ano.
Suas criações são orientadas de perto por Luiz Filipe que, há três anos, acumula o papel de seu namorado, além do de chefe. “É muito bom trabalhar com o Luiz. Acho que muitas pessoas veem ele como alguém que nunca está satisfeito, mas eu sei que ele enxerga potencial nas pessoas. Ele nunca deixa você chegar na sua zona de conforto”, diz.
Para o novo menu, que será apresentado agora em julho, Bianca promete novas aventuras, que incluem um picolé de pipoca e uma sobremesa cuja base é a mandioca. Como inspiração, usa o Instagram, livros, revistas — além de incontáveis testes na cozinha. “Tem sempre um ingrediente que é tendência, né? Já foi o pistache, agora é o gergelim. Mas isso não me interessa. Se está todo mundo usando, a gente vai justamente buscar outra coisa”, reflete.

O encantamento pelos meles, porém, jamais passou. “Para mim, não há nada igual à diversidade do mel. Ele tem terroir, tem fermentação, ninguém bota a mão nele. Se eu abrir um mel hoje, ele vai estar de um jeito, mas se eu abrir daqui a três semanas, vai estar ainda mais complexo”. Desde o divisor de águas que foi sua sobremesa de 2019, o produto vem sendo usado em todos os menus do Evvai — e, nesse novo, não vai ser diferente: o mel nativo deve dar as caras em uma entrada fria.
“Eu sempre fico preocupada antes de um novo menu, fico ansiosa. Para mim, é muito importante que a pessoa encontre uma coisa mais interessante, divertida e gostosa do que antes. Ela pode até gostar mais de algo anterior, mas precisa sentir que houve uma evolução, sabe?”, explica. A depender da carreira meteórica de Bianca, podemos ter certeza que evolução é o que não falta.
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