Um novo olhar de Paraty: chef Ana Bueno celebra 30 anos do Banana da Terra

Referências, saudades e “outras coisitas mais” aquecem o coração da chef Ana Bueno ao abrir as portas de Paraty para quem é de fora. Aqueles curiosos por conhecer a cidade no Sul do estado do Rio de Janeiro para além dos estereótipos encontram nessa paulista nascida em São José dos Campos a anfitriã ideal.

Arrebatada pelas águas e belezas do destino histórico, Ana ainda era menor de idade — tinha 17 — quando pegou as (poucas) malas e cuias para morar na vizinha Praia do Cachadaço.

Ana Bueno num dos janelões de Paraty: cidade reconhecida pela Unesco por sua gastronomiaGabi Portilho/CLAUDIA

Dois anos depois, mudou-se para o famoso centrinho de pedras de paralelepípedo e nunca mais deixou de fazer parte da comunidade local. A certeza de ter sido chamada para lá teve a ver, principalmente, com as conexões que engrossaram raízes por ali. “Gosto de mostrar Paraty de um jeito diferente, com olhos de quem vive aqui e tem no cotidiano a companhia de pessoas, lugares e culturas únicas”, afirma Ana.

Entre as muitas empreitadas que ampliaram o horizonte da região e ajudaram a consolidar sua vocação gourmet estão o evento Folia Gastronômica, que Ana organizou entre os anos de 2003 e 2018, o Mapa do Gosto, uma ação social de incentivo do comércio justo para os pequenos produtores, e o Mulheres da Costeira, de capacitação e formação de empreendedoras. É no Banana da Terra, porém, que toda a sua multiplicidade e poder de ação vêm à tona.

Tradição de 30 anos 

Sinônimo da alta gastronomia caiçara, o casarão que abriga desde 1994 o restaurante sintetiza a vocação agregadora de Ana. Da farinha de mandioca — moída numa casa localizada na Estrada Paraty-Cunha e acrescida de um pouco de polvilho que garante uma textura incrível — até a decoração com peças de artesanato da cultura quilombola selecionadas pessoalmente pela chef: tudo inspira e expira biodiversidade e história.

Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Peixe com banana do Banana da Terra: “Paratienses têm uma relação com essa fruta. O segredo é saber escolher”Gabi Portilho/CLAUDIA
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Seu prato mais clássico, o peixe com banana, é feito com o lombo do pescado maturado e cozido em molho com especiarias e servido com purê de banana e telha de pirão. Garantir a qualidade do ingrediente é uma das principais preocupações, levando em consideração ainda a abertura do público (tanto os mais fiéis quanto os estreantes na casa) para testar outros sabores.

Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Vinagrete de mexilhão defumado: para abrir o apetite com uma porção de pastel de ventoGabi Portilho/CLAUDIA

“Eu gostaria que as pessoas ousassem um pouco mais e saíssem do robalo, da garoupa, desses peixes preferidos. Hoje, por exemplo, estamos comprando a prejereba, de carne branca, que eu adoro!”

É no dia a dia próximo com os peixeiros, incluindo os pescadores que conhece desde menina, quando vendeu tortas, sanduíches e bolos batidos à mão na Praia do Cachadaço, de Trindade, que as melhores decisões vão sendo tomadas para o menu. “É muito mais fácil ir ao açougue e encontrar um contrafilé. Não adianta falar que quero esse tal peixe, nem sempre é possível.”

Em suas mãos habilidosas, que aprenderam a cozinhar mirando na subsistência, mas adquiriram técnica impecável em cursos no exterior, os  frutos do mar ganham autenticidade.

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“Penso no cardápio considerando receber as pessoas numa cidade onde elas estão visitando. Quero mostrar os produtos locais, mas também ser a casa delas fora de casa. Poderia até fazer menos pratos, mas me preocupo em atender as pessoas que vêm aqui.  Tenho dois pratos com camarão, por exemplo. Um descascadinho e outro grande, um pouco mais rústico, que não é todo mundo que gosta”, explica Ana.

Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Camarões com molho romesco, coalhada e ervas: o tempero do pão tostadinho é um deleite à parteGabi Portilho/CLAUDIA

É nessa segunda versão que mora uma interessante combinação de notas ácidas e doces. Levinho, combina a coalhada com o sabor picante do molho romesco, feito de pimentão vermelho, tomate maduro, pimenta calabresa seca, páprica defumada e amêndoas tostadas com casca. A porção de camarões VG  flambados na frigideira com cachaça ganha ainda a companhia de pão de alho fresco e negro, uma delícia.

Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Sonho de aipim recheado de goiabada e Catupiry: servido com algodão-doce, para alegrar nossa criança interiorGabi Portilho/CLAUDIA

Para a sobremesa, um doce típico de Paraty, o sonho, ganha uma versão mais sentimental (e apetitosa). Recheada de goiabada e queijo cremoso Catupiry, a massa de aipim é servida com sorvete de goiaba e algodão-doce.

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“Nunca me esqueci de quando eu comi meu primeiro algodão-doce. Meu avô tinha uma uma loja lá em São José dos Campos, passou um senhor vendendo e me deu um algodão-doce. Com 5, 6 anos, achei aquilo muito sensacional, derretia na boca.”

Sem perder o encantamento de criança com os sabores e as infinitas possibilidades de combinações, Ana é também prática e realizadora quando o assunto é empreender. Para 2025,  está com foco claro na ampliação do Banana, que vai ganhar um espaço de eventos para no máximo 80 pessoas e também uma sala de experiências da chef, para receber até 15 pessoas.

Além de uma breve pausa no segundo semestre para conclusão da reforma, o restaurante passa a atender num novo horário ampliado de almoço e jantar, o que demanda aumentar a equipe. “As coisas acontecem na hora certa. Eu sou a piloto desse avião faz 30 anos, eu não posso deixar ele cair, de jeito nenhum. Tenho que botar mais gente para dentro e mandar ver”, diz, pragmática, sem perder o sorriso característico.

Sob sua batuta, hoje, estão 70 funcionários, divididos entre o Banana da Terra, o Café Paraty e o mais recente Casa Paratiana, erguido dentro do alambique da família.

Cachaça e memórias 

Para dar vazão à criatividade e também à vontade de honrar as origens caipiras, Ana pensou a Casa Paratiana, inaugurada em 2024.  A tradição está presente no filé de carne de sol, servido sobre chapa aquecida com banha de porco e abóbora temperada com cominho, canela e pimenta calabresa, finalizada com raspas de rapadura, cebola-roxa e um pouco de pimenta-do-reino.

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Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Carne de sol servida com cebola-roxa e abóbora: para finalizar, rapaduraGabi Portilho/CLAUDIA

Mas Ana não deixa de incorporar outras demandas, como a de receitas vegetarianas. “A comida caipira tem uma tendência a ter mais carnes. Na raiz mesmo, não tem um caipira muito vegano assim, né?”

No seu cardápio, porém, é um bolinho de arroz (sem carne) que brilha na entrada. Temperado com bastante cebola picadinha e repleto de queijo, é o favorito do seu filho caçula, Abel. “Criança é difícil, fala tudo que acha. Se ele gostou, acho que acertei”, brinca a mãe de três.

Para a sobremesa, é imperdível o doce de abóbora feito no fogo baixo, com açúcar, cravo e paciência. Para dar o toque pessoal de Ana Bueno, uma calda de zabaione de cachaça Paratiana, feita lá mesmo.

Restaurante Banana da Terra da chef Ana Bueno
Doce de abóbora da Casa Paratiana: calda é feita com a cachaça do premiado alambique da famíliaGabi Portilho/CLAUDIA
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A decoração inclui itens que Ana e o marido, Casé, garimparam. Alguns objetos antigos, como rádios, bibelôs e até uma coleção de ex-votos, vieram de uma viagem que o casal fez até Salinas, em Minas Gerais.

“Brinquei de casinha montando todo o enxoval do restaurante. Queria aqueles pratos Duralex âmbar que todo mundo tinha, mas não encontrei, precisei colocar os branquinhos mesmo”, conta. Canecas de ágata e toalhas rendadas completam a atmosfera antiga.

Toda nostalgia esconde uma saudade bonita que Ana sente não só de outros tempos, mas da sua própria mãe, que já faleceu. Ela deixou guardada em sua memória a relação de generosidade e confiança que a comida pode inspirar. Quando a filha decidiu fazer a mochila para sair de casa, Dona Inês sentiu um aperto no coração, mas não pôde conter a força do desejo de Ana.

Nas suas esporádicas voltas para casa, preparar uma mesa farta era o jeito da matriarca de demonstrar carinho e preocupação.

“Ela tinha uma coleção gigante de receitas da CLAUDIA, impressas ainda em papel de jornal. Sonhava em um dia ter receitas minhas na revista”, lembra Ana, que não é de esconder as lágrimas. O gosto de um sonho realizado é ainda melhor quando compartilhado.

CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
TEXTO Helena Galante
FOTOS Gabi Portilho
EDIÇÃO DE ARTE Mika Nanba

 

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