Carla Madeira: “Há uma arrogância de pensar que, se vende muito, não pode ser bom”

Nas bagagens de viagem, há um item obrigatório. Ao lado das malas, Carla Madeira carrega sempre seu violão. A escritora brasileira mais lida do país — prestes a bater 1 milhão de livros vendidos — faz questão de transportar o instrumento para onde vai. E na mão. “Vai dentro do voo e vai sempre”, conta.

Nas últimas férias, na praia de Muro Alto, Pernambuco, Carla tocou os acordes de um cancioneiro nacional variado, com músicas como Fullgás, de Marina Lima, Flor do Reggae, de Ivete Sangalo, além de Paulinho da Viola e Chico Buarque. Como plateia, a sua família: nove adultos e cinco crianças, incluindo seus dois filhos e os três filhos do marido. Este é o seu terceiro casamento. “Foi uma delícia”, descreve sobre os dias de música e descanso.

Os livros da autora mineira, Tudo É Rio (2014, Quixote, 2021, Record),  A Natureza da Mordida (2018, Record) e Véspera (2021, Record) já venderam 973.103 cópias. O respiro pernambucano na rotina agitada da best-seller foi o último antes das comemorações da aguardada marca do primeiro milhão.

Foi também a última pausa antes do início das gravações da adaptação do seu livro mais recente, Véspera. O romance está sendo transformado em uma série para a Max, com direção de Joana Jabace.

O elenco é tão estrelado quanto os números de venda da autora. No papel dos personagens gêmeos Caim e Abel, o ator Gabriel Leone, que recentemente interpretou Senna, na série da Netflix. No papel de Veridiana, parceira de Caim, está escalada Bruna Marquezine, e para interpretar Vedina, parceira de Abel, a atriz Camila Márdila

Seu primeiro livro, “Tudo é Rio”, foi inicialmente publicado em 2014 pela editora independente Quixote, de Belo HorizonteNani Rodrigues/Reprodução

Carla também tem um papel na adaptação. A escritora atua como consultora. “Conversei com outros amigos escritores que tiveram livros adaptados. Entendi que havia duas possibilidades. O escritor que não se envolve, sabendo que é outra obra que nasce, com outro recorte, uma outra visão artística ali. E o escritor que gosta de acompanhar. No caso de Véspera, optei por participar como consultora para contribuir no que for possível pela minha compreensão da trama, dos personagens, daquilo que foi pensado mas não foi para o livro. Estou achando uma delícia, gostando muito do elenco, é incrível. Estou bastante feliz com as escolhas. Agora é ver isso ganhar vida”, diz. 

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A contribuição é mais do que justificada. Véspera é o tipo de romance cheio de camadas que podem ter diferentes interpretações pelo leitor. O tema da família, que atravessa toda a obra da autora, também está presente no enredo. 

Em Véspera, a personagem Vedina, que vive um casamento atribulado com o gêmeo Abel, abandona momentaneamente seu filho em um instante de desespero.

Quando volta, em seguida, para resgatá-lo, o menino não está lá. Quem levou o garoto e por quê? Alternando o tempo da narrativa, conhecemos o conflito entre os irmãos, ambos apaixonados por Veridiana. Eles foram criados por uma mãe preocupada com o destino que poderia ser atribuído a eles pelos nomes trágicos escolhidos unilateralmente pelo pai.  

A escritora Carla Madeira é sucesso de vendas
A escritora Carla Madeira é sucesso de vendasNani Rodrigues/Reprodução

“Os livros da Carla trazem questões femininas importantes do nosso tempo, num texto sempre bem costurado, que ressoa em mulheres muito diversas. Carla une o Brasil, como a Globo nos melhores tempos. Agrada leitoras de Elena Ferrante, Isabel Allende e também as de Colleen Hoover. Soma-se isso ao fato de Carla ser muito especial, atenta a seu público, presente, carismática, interessante”, diz a vice-presidente do Grupo Editorial Record, Roberta Machado, sobre as múltiplas razões do sucesso da autora. 

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Machado foi a responsável por contratar Madeira. Seu primeiro livro, Tudo é Rio, foi inicialmente publicado em 2014 pela editora independente Quixote, de Belo Horizonte. Foi um fenômeno do “boca a boca”. A história conta sobre o casamento idílico de Dalva e Venâncio e o afastamento do casal após um episódio de violência.

A chegada de Lucy, uma prostituta, abala as certezas dos personagens. A edição foi parar nas mãos da escritora gaúcha Martha Medeiros, que o recomendou na sua coluna do jornal O Globo. O livro, então, passou a ser procurado em todo o país.

A entrada em uma grande editora como a Record garantiu uma distribuição nacional. A capilaridade facilitou as vendas nas livrarias, sem dúvidas, mas a verdadeira resposta sobre a recepção calorosa aos seus livros está nos leitores.

“A gente não sabe exatamente por que os livros vendem muito. Mas, com certeza, teve ressonância nas pessoas. Isso é muito bom”, comenta Carla. “Todo autor que publica quer ser lido”, acrescenta. Porém, ser lida significa, às vezes, ser criticada. Segundo a autora, há uma confusão ao entender algo que vende muito como algo necessariamente ruim. “Há uma arrogância de pensar que, se vende muito, não pode ser bom”, diz.

O fato é que Carla Madeira é uma escritora incontornável na literatura brasileira contemporânea. Tanto que o encerramento da Flip de 2024 (Festa Literária Internacional de Paraty), evento mais prestigiado do calendário literário, ficou por conta da mineira, ao lado das escritoras Silvana Tavano e Mariana Salomão Carrara

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Mãe de filhos adultos, ela conta que teve uma rede de apoio para conciliar maternidade e carreira
Mãe de filhos adultos, ela conta que teve uma rede de apoio para conciliar maternidade e carreiraNani Rodrigues/Reprodução

Segundo a curadora da Flip, Ana Lima Cecílio, a presença da autora no evento tem relação com o que acontece nas livrarias. “Ela é uma coisa que arrasta a multidão. Talvez a pergunta que eu mais tenha ouvido quando eu trabalhava em livraria era assim: ‘Li todos da Carla Madeira e agora o que mais eu leio?’. Isso significa que ela leva o leitor pela mão por causa da história envolvente, por um jeito de contar”, diz a curadora. Os livros da escritora também são capazes de fisgar quem não tinha o hábito de ler, explica Cecílio. “Não sei exatamente qual é o milagre operado, mas sei que que já dei livro da Carla para gente que não conseguia ler um livro há anos e falou ‘Nossa, eu fiquei sem conseguir largar’”, conta a curadora da Flip.

Outra característica, destacada por Cecílio, é a colaboração de Madeira para a discussão sobre linguagem e literatura. “A Carla é uma das pessoas que melhor comunica, que tem uma reflexão muito interessante”, explica. 

Além da música, que a colocou diante de grandes plateias na juventude, participando de festivais e shows, inclusive com composições próprias, Madeira também passou pela matemática. Antes de se formar em publicidade e jornalismo, ela estudou dois anos de matemática. Seu pai era matemático e a disciplina dos números, inclusive, aparece na trama de Véspera.

“Existe uma relação profunda da matemática e todas as coisas, as proporções, a natureza, o funcionamento do mundo. A beleza é compreender esse mundo lógico, a aplicação prática da matemática”, conta a escritora. 

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No entanto, não apenas os algarismos servem como linguagem para o belo. Carla também é pintora. Com tinta e pincel, pintou mais de quarenta quadros enquanto escrevia o livro A Natureza da Mordida. O romance, aliás, conta a história de uma amizade que surge ao acaso entre uma psicanalista, já idosa, e uma jovem jornalista. Juntas, elas revisitam o passado para elaborar suas dores. Cada uma delas narra com uma voz muito singular, uma das qualidades da obra. 

Madeira é um grande exemplo sobre como muitas conquistas de uma mulher não precisam ser aos 20 ou 30 anos. Quando publicou Tudo é Rio, tinha 50 anos
Madeira é um grande exemplo sobre como muitas conquistas de uma mulher não precisam ser aos 20 ou 30 anos. Quando publicou Tudo é Rio, tinha 50 anosNani Rodrigues/Reprodução

Quanto à pintura, é outro interesse que Madeira nutre desde a juventude. “Tive um grupo durante um tempo que se encontrava para pintar toda semana”, diz.

A série que fez enquanto escrevia seu livro retratava temas botânicos, com folhagens e flores. “Mas tenho uma outra linha que gosto muito que são as praias. Pinto pessoinhas na praia. Esses quadros têm uma onda mais divertida que gosto de fazer também”, explica.

Todas essas habilidades acabaram desaguando na profissão escolhida por Madeira: publicitária. Na publicidade, ela conseguiu unir as expressões artísticas e a criatividade para tocar um negócio de sucesso permeado pela necessidade constante de movimento e inventividade. Aos 60 anos, ela é presidente e sócia fundadora da agência Lápis Raro, em Belo Horizonte.

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Carla está à frente de uma equipe de cem funcionários com um olhar generoso para estimular o protagonismo feminino. “Minhas duas sócias e as minhas lideranças são todas mulheres. Não porque tenha uma regra, mas porque o perfil me interessa. Trabalhar com mulheres foi uma coisa muito importante para a minha vida profissional. Nesse ambiente, a gente entendia o que era ter que levar o filho no médico, ir à festa da escola. Se essa mulher vai assistir a formatura do filho, ela está melhor, mais presente e sem culpa de querer estar em outro lugar. Está inteira”, explica a também empresária de sucesso. 

Ela cresceu em um ambiente familiar que nunca incutiu a mentalidade de que não poderia realizar algo por ser mulher. Portanto, nada a limitou. Mãe de filhos adultos, ela conta que teve uma rede de apoio para conciliar maternidade e carreira. “Às vezes, sou atravessada por esse sentimento de que queria ter visto mais os meninos crescerem. Mas tenho a consciência de que o tempo em que estava com eles, eu realmente estava com eles”, recorda. 

Em 2024, Carla Madeira foi a mulher brasileira mais lida na Lista Nielsen PublishNews
Em 2024, Carla Madeira foi a mulher brasileira mais lida na Lista Nielsen PublishNewsNani Rodrigues/Reprodução

A conciliação entre trabalho e família também passa por temas como vaidade e cuidado com o lar. “Sou uma mulher que não me obrigo a fazer unha toda semana. Não me obrigo a ser uma ótima dona de casa. Às vezes quero escrever e a cozinha está bagunçada. A cozinha vai esperar. Mas eu faço sacolão, supermercado, tenho essa rotina. Se não deu para fazer o sacolão, vamos pedir alguma coisa [para comer]. Não me julgo por isso”, conta.

A casa na capital mineira é dividida também com Deba, uma pastor-alemão, que dá as caras nas fotos que acompanham este texto, tiradas no lar da escritora. “A cachorra mais apaixonante do mundo. Sou louca por ela”, diz. 

Madeira é um grande exemplo sobre como muitas conquistas de uma mulher não precisam ser aos 20 ou 30 anos. Quando publicou Tudo é Rio, tinha 50 anos. Em 2024, foi a mulher brasileira mais lida na Lista Nielsen PublishNews, que monitora o mercado editorial brasileiro. Agora, aos 60, vai bater a marca de um milhão de livros vendidos. 

O pai da autora se chamava Ulisses, como o personagem do clássico de James Joyce. O autor nasceu na Irlanda, justamente o nome da mãe da escritora. É como se Carla estivesse destinada à literatura. “Não tinha essa brincadeira em casa. Mas, mais tarde, já adulta, comecei a brincar com essa história. Eu dizia: ‘Quase que me chamei Joyce!’”, ri. 

O próximo livro está sendo escrito e falará de relações familiares, com maternidade e separação. Madeira se impôs um desafio formal de esculpir a história. “Precisa caber em certa lógica. A matemática também está comigo nesse processo, precisa de uma lógica consistente. Sou bastante atenta a isso. Quem está falando, que ritmo essa pessoa fala, como vou pontuar”, explica. 

Carla escreveu mesmo durante as férias. “Coloco a escrita muito nesse lugar do que gosto de fazer no meu tempo livre. Não coloco no lugar do trabalho. Não entra na conta do estresse. Tenho um prazer enorme.” 

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