Augusta Gein: A mãe que moldou o monstro Ed Gein e seus crimes

A franquia Monster, criada por Ryan Murphy e Ian Brennan, nasceu em 2022 com a temporada dedicada a Jeffrey Dahmer e rapidamente se transformou em um dos maiores fenômenos de audiência da Netflix, a ponto de garantir continuidade como antologia sobre crimes reais.

Premiada com um Globo de Ouro para Evan Peters e reconhecida no BAFTA, a série não escapou de polêmicas: acusada de explorar o sofrimento das vítimas e de distorcer fatos, como no caso dos irmãos Menendez, levantou debates sobre até que ponto o true crime pode ser recriado como entretenimento sem perder a responsabilidade ética.

Agora, com Monstro: A História de Ed Gein, terceira temporada da série de televisão Monster, a franquia retorna ao berço do horror psicológico que inspirou clássicos como Psicose, explorando a figura da mãe Augusta e o processo de criação do “açougueiro de Plainfield” — talvez o retrato mais perturbador até aqui.

‘Monstro: A História de Ed Gein’ acaba de estrear na NetflixNetflix/Divulgação

E vale, porque na história criminal dos Estados Unidos, poucos nomes provocam tanto horror quanto o de Ed Gein. Seus crimes macabros — assassinatos, violações de túmulos, a transformação de restos humanos em objetos domésticos — tornaram-se combustível para a ficção e inspiração direta de personagens icônicos como Norman Bates, de Psicose.

Mas, antes de tudo isso, Ed Gein foi apenas um menino da zona rural de Wisconsin, devotado até a obsessão à figura mais dominante da sua vida: sua mãe, Augusta. A nova temporada reposiciona o olhar sobre a pergunta fundamental: quem criou o monstro?

Uma mãe religiosa, obsessiva e tirânica

'Monstro: A História de Ed Gein' estreia na Netflix
Ed Gein foi apenas um menino da zona rural de Wisconsin, devotado até a obsessão à figura mais dominante da sua vida: sua mãe, AugustaNetflix/Divulgação

Augusta Wilhelmine Gein nasceu em 1878 e, desde cedo, viveu segundo valores religiosos rígidos. Casada com George Gein em 1900, tornou-se a verdadeira autoridade dentro de casa. Segundo relatos da época, inclusive um artigo da Time em 1957, Augusta era uma mulher dominadora e intransigente, que via o mundo moderno como corrupto e pecaminoso.

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Ela recitava histórias bíblicas aos filhos, Henry e Ed, pregando que a imoralidade das mulheres traria o fim dos tempos. Para Augusta, maquiagem, saias curtas e qualquer sinal de modernidade eram instrumentos da perdição. Enquanto o marido se afundava no alcoolismo, Augusta isolava os filhos do convívio social e os mantinha ocupados com tarefas na fazenda, cultivando uma dependência sufocante.

Especialistas acreditam que esse ambiente contribuiu para o desenvolvimento de um complexo de Édipo em Ed, que nunca teve encontros românticos e cresceu emocionalmente incapaz de se desligar da mãe.

Perdas, isolamento e a sombra da mãe

A morte do pai em 1940 e a suspeita morte do irmão, Henry, em 1944, deixaram Ed sozinho com Augusta. Oficialmente, Henry teria morrido asfixiado enquanto ajudava o irmão a apagar um incêndio próximo à fazenda.

No entanto, a polícia encontrou hematomas na cabeça do corpo, sugerindo que ele pode ter sido atingido por um golpe. O mais intrigante foi que Ed, ao acionar as autoridades, conseguiu levá-las diretamente ao local onde o corpo estava, apesar de afirmar que havia perdido o irmão no meio das chamas.

Nenhuma investigação foi levada adiante, e o caso foi encerrado sem acusações, mas para muitos estudiosos esse episódio pode ter sido o primeiro sinal de violência concreta na trajetória de Ed — um ponto de não retorno.

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Com Henry fora do caminho, o relacionamento de Ed com Augusta, já marcado por dependência e devoção, tornou-se absoluto. Quando ela sofreu dois derrames e morreu em dezembro de 1945, Ed desabou.

Sem eletricidade, sem água encanada e agora sem sua figura central, ele transformou o interior da casa em um mausoléu. Quartos inteiros foram preservados como santuários à memória da mãe. Era como se Augusta continuasse a habitar aquelas paredes. Para os psiquiatras que o analisaram, esse luto doentio foi o estopim de sua psicose. Como relataria anos depois: “uma força se acumulou em mim.”

Da devoção ao horror

Sem Augusta, Ed mergulhou em um delírio sombrio. Ele começou a frequentar cemitérios, exumar corpos e recolher restos mortais para tentar recriar fisicamente a mãe. O objetivo era explícito: “tornar-se ela”, costurando um “traje feminino” com pele humana.

Essa obsessão explodiu em violência homicida. Em 1954, Ed matou Mary Hogan, dona de um bar local. Três anos depois, em 1957, assassinou Bernice Worden, dona de uma loja de ferragens. Foi esse último crime que levou a polícia à fazenda dos Gein — e à descoberta de um cenário inimaginável: cabeças, vísceras, máscaras de pele e móveis feitos com partes humanas.

O detalhe mais perturbador? Tudo na casa estava em ruínas, exceto o quarto de Augusta, mantido imaculado.

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O legado da obsessão

 

Preso e diagnosticado com esquizofrenia, Ed foi considerado inicialmente incapaz de enfrentar julgamento. Em 1968, acabou condenado, mas permaneceu internado até sua morte em 1984. Ele foi enterrado em um túmulo sem identificação, ironicamente entre Augusta e Henry, como se jamais pudesse escapar da família que o moldou.

Para muitos estudiosos, a figura de Augusta é inseparável da monstruosidade de Ed. Não porque ela tivesse previsto o destino do filho, mas porque sua obsessão religiosa, seu autoritarismo e seu isolamento criaram um terreno fértil para a loucura.

A cultura popular captou essa dinâmica como poucos exemplos: Norman Bates em Psicose ou Buffalo Bill em O Silêncio dos Inocentes são filhos espirituais dessa relação doentia entre Ed e Augusta. Como disse o próprio Bates, em frase que poderia ter saído da boca de Gein: “Um garoto nunca tem amiga melhor do que sua mãe”.

Psicose: o livro, o filme, a lenda

'Monstro: A História de Ed Gein' estreia na Netflix
Tom Hollander como Alfred Hitchcock no episódio 2 de Monster: The Ed Gein StoryNetflix/Divulgação

De todas as personagens assustadoras que Gein inspirou no cinema, é impossível não destacar a principal – Norman Bates – que rendeu um clássico, continuações, refilmagens mal-sucedidas e até uma série prequela (Bates Motel), esta completamente distante da história verdadeira. Antes de tudo, veio o livro.

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O romance Psycho, escrito por Robert Bloch em 1959, nasceu diretamente inspirado nos crimes de Gein, cuja prisão em 1957 chocou os Estados Unidos. Alfred Hitchcock, atento ao potencial do terror psicológico, comprou anonimamente os direitos da obra por apenas 9 mil dólares. Fascinado pela crítica à repressão sexual e pela intensidade da narrativa, levou-a ao cinema em 1960.

Gein ainda estava vivo, internado em um hospital psiquiátrico, e a repercussão foi imediata: a associação entre seus crimes e Norman Bates consolidou o assassino de Plainfield como um fantasma cultural. O filme, com Anthony Perkins e Janet Leigh, redefiniu o horror moderno e permanece como uma das obras mais influentes da história do cinema.

Na nova temporada de Monster, a Netflix amplia esse vínculo entre realidade e mito, recriando os bastidores da adaptação de Psicose. Tom Hollander interpreta Alfred Hitchcock, Joey Pollari dá vida a Anthony Perkins como Norman Bates e Olivia Williams encarna Alma Reville, esposa e colaboradora criativa do diretor. Ao entrelaçar investigação criminal e filmagem, a série reforça como a monstruosidade de Gein ultrapassou a crônica policial para se eternizar no imaginário cultural pela sétima arte.

Ryan Murphy e o fascínio inquietante

Ao trazer Laurie Metcalf como Augusta e Charlie Hunnam como Ed, Monstro: A História de Ed Gein resgata não apenas os crimes, mas também as raízes psicológicas do horror. A relação entre mãe e filho é apresentada como o verdadeiro coração da tragédia.

Laurie Metcalf é uma das atrizes mais respeitadas de sua geração, capaz de transitar entre a comédia afiada e o drama intenso. Ganhou projeção mundial como Jackie em Roseanne — papel que lhe rendeu três Emmys — e conquistou a crítica como a mãe controladora de Lady Bird (2017), que a levou ao Oscar, Globo de Ouro e BAFTA.

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Vencedora de dois Tonys, Metcalf combina dureza, fragilidade e magnetismo em cena, o que a torna perfeita para viver Augusta. Assim como em Lady Bird, ela revisita a relação visceral entre mãe e filho, mas agora em um contexto onde amor e obsessão se confundem de forma trágica.

Já Charlie Hunnam, lembrado principalmente como Jax Teller em Sons of Anarchy, surpreende ao assumir Ed Gein. Até então associado a anti-heróis carismáticos (Pacific Rim, King Arthur, The Lost City of Z), mergulhou em uma caracterização que privilegia o isolamento e a estranheza. Trabalhou a voz e a fisicalidade para transmitir a dependência sufocante em relação à mãe.

Ao lado de Metcalf, entrega um dos papéis mais ousados e sombrios da carreira.É desconfortável, mas inevitável, refletir: Ed Gein não nasceu monstro. Ele foi moldado em silêncio, dentro de uma casa isolada, sob a sombra de uma mãe que tentou afastá-lo do mal — e acabou se tornando a origem dele.

No fim, a história de Ed e Augusta Gein não é apenas um caso criminal, mas um retrato distorcido do poder devastador das relações humanas quando marcadas por medo, repressão e obsessão.

Augusta acreditava estar blindando o filho contra a corrupção do mundo, mas, ao isolá-lo e sufocar sua identidade, construiu a prisão emocional que o transformaria em assassino.

O “monstro de Plainfield” nasceu não só da mente perturbada de Ed, mas da sombra inescapável de uma mãe que confundiu amor com domínio. É essa linha tênue entre proteção e destruição que faz do caso Gein um dos mais inquietantes — e eternos — na história do crime e da cultura popular.

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