Para quem estuda moda no Brasil, raras frustrações são tão grandes quanto sair da faculdade sem saber quem foi Conrado Segreto. Apesar de ter surgido dentro da bolha paulistana, o impacto do seu olhar vanguardista deveria ser reconhecido em escala muito mais ampla. Poucos criadores alcançaram o nível de excelência, originalidade e ousadia que ele atingiu.
Exagero ao dizer que tenha sido o nome mais próximo do que podemos considerar uma “alta-costura brasileira”? Não fosse a proteção do termo pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode, desde 1945, eu diria que, sim, ele foi. Se tivesse vivido mais, teria sido capaz de impulsionar a valorização do trabalho manual — tão rico no Brasil — e inspirar novas gerações a desenvolver uma moda sob medida, capaz de deixar qualquer ateliê parisiense de olhos arregalados. Mas não foi assim.
Há quase quinze anos, quando fui buscar meu diploma de bacharelado em moda, Segreto era, para mim, um completo desconhecido. Nem mesmo nas revistas que eu comprava na época seu nome aparecia, tampouco em editoriais ou palestras que assistia. Se não fosse a morte prematura, em 1992, certamente sua presença teria sido outra.
O que ele criava não passava despercebido. Seus desfiles eram verdadeiros espetáculos, exuberantes, exalando toda a peruagem que a moda daquele tempo merecia. Entre 1989 e 1991, sacudiu uma indústria que parecia adormecida, pressionada pelo avanço do jeanswear — que tirava até as madames dos vestidos de cocktail after six e as colocava em calças de brim — e pela recepção das tendências internacionais minimalistas, vindas de japoneses e belgas. Nada disso interessava a Segreto.
Seu segredo era olhar para o passado sem cair no anacronismo, transformando “o que era velho em novo” e embelezando essa mulher — que podia surgir toda de preto, como em sua estreia na Casa Rhodia, em 1989, ou glamourosa em vestidos volumosos, com silhuetas e detalhes que flertavam com os anos 1940 e 1950, apresentados em volta da piscina da Casa da Manchete, em 1991.
A sensibilidade vinha desde a infância, quando vestia com panos de prato as bonecas da irmã, Rita Segreto. Mais tarde, trocaria o jornalismo pelas lojas do Bom Retiro, em busca de oportunidades para mostrar seus desenhos de bonecas esguias e traços precisos. Mas não precisava disso: era capaz de produzir dezenas de croquis em minutos, cada um revelando composições que misturavam ráfia, pele sintética, musseline de seda, couro, plumas e padronagens diversas, como pied de poule, poá, xadrez e chevron.
Tudo podia se encontrar (ou se desencontrar) em um mesmo look, sem parecer exagero. Uma convergência estética inédita, ousada e passional, que nenhum de seus antecessores, como Dener ou Clodovil, ousou experimentar.
Diferentemente dos dois, Conrado não reproduzia a moda francesa — com moldes de coleções europeias, como era a prática da época — para conquistar o mercado. Mesmo sendo fã de Yves Saint Laurent, Balenciaga e Schiaparelli, sua admiração não contaminava suas peças.
Enxergava o Brasil como sua principal inspiração — com o Carnaval e as cores vivas na mira — e sabia que era olhando para esse sentido que conseguiria extrair o que ninguém esperava ser possível: uma elegância tipicamente brasileira. E com bom gosto e criatividade de sobra, com direito a laços com fitas de gorgurão, luvas coloridas e plissados de suspirar.
E o melhor: à prova de efemeridades. Apesar de terem sido criadas na transição entre os anos 1980 e 90, existe uma magia que não as deixa datadas.
Enquanto pesquisava mais sobre Conrado, encontrei imagens publicadas na edição de agosto de 1989 da CLAUDIA, com alguns de seus modelos. Mesmo sóbrios, sem a explosão de cores das coleções seguintes, era possível perceber o cuidado no acabamento, na modelagem impecável e nos tecidos preciosos, como a seda pura, além de bolsos, luvas e botões — alguns de bijoux com strass e pérolas.
Ainda que isento de distrações cromáticas, ali estava o charme do seu requinte. O toque sublime que, interrompido há mais de três décadas, deixou de ser a rotina da moda nacional e que, felizmente, a partir de agosto, passou a ser relembrado pela coleção criada pela sobrinha, Julia Segreto. Ela cresceu rodeada do acervo preservado pela mãe, Rita, e com apoio de Anna Carolina Bassi e Caio Campos, cofundadores da marca Carol Bassi.
Julia foi responsável por olhar para as criações do tio e pensar em como seria a marca de Conrado em 2025. De fato, é um presente poder acompanhar um retorno tão importante para a indústria fashion brasileira e reviver o legado de um grande gênio, que poderá inspirar e abrir portas para outros que aqui também vivem.
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