Entre bombas, sequestros, conspirações militares e escândalos de chantagem que atravessam fronteiras, Hostage poderia facilmente se perder em sua própria trama labiríntica. Mas o que mantém o público vidrado — e explica sua ascensão meteórica ao topo da Netflix após a estreia — são as performances magnéticas de Suranne Jones e Julie Delpy, atrizes que transformam a política em drama humano e o drama humano em espetáculo de poder.
Por isso hoje não vou falar da trama cheia de reviravoltas, das surpresas ou a habilidade britânica de criar tramas políticas completamente viciantes, sejam sobre espionagem, política ou as duas coisas. Hoje quero focar no verdadeiro trunfo de Hostage está nas suas grandes estrelas.
Suranne Jones: de Doctor Foster ao estrelato global
Suranne Jones já havia mostrado sua força antes de chegar a Hostage. Em 2015, tornou-se um verdadeiro fenômeno no Reino Unido com Doctor Foster, o drama psicológico da BBC que virou assunto nacional. Como Gemma Foster, a médica traída que mergulha em obsessão e vingança, Suranne conquistou quase 10 milhões de espectadores semanais e levou o BAFTA de Melhor Atriz.
O papel consolidou sua reputação como uma das intérpretes mais intensas da televisão britânica. É uma série incrível onde sua atuação é o maior destaque. Poucos anos depois, ela surpreendeu novamente em Gentleman Jack, ao dar vida à histórica Anne Lister, considerada a “primeira lésbica moderna”.
Com ousadia, carisma e inteligência, Suranne mostrou que podia sustentar um grande drama de época com a mesma intensidade com que dominava um suspense contemporâneo. Essa dualidade — a capacidade de unir intimidade e autoridade — faz de sua Abigail Dalton, primeira-ministra em queda livre em Hostage, a evolução natural de uma carreira construída na versatilidade.
Julie Delpy: atriz, cineasta e uma voz única
Julie Delpy construiu um caminho igualmente plural, ainda que em outra direção. Reconhecida mundialmente pela trilogia Before de Richard Linklater, onde explorou a beleza e a fragilidade do amor ao longo de décadas, Delpy também firmou carreira como diretora, roteirista e compositora, marcando presença em filmes como 2 Days in Paris e Lolo. Seu foco sempre esteve no cinema independente, onde pode imprimir sua visão pessoal, sem concessões a fórmulas de Hollywood.
Mas Delpy também deixou sua marca na televisão. Em 2021, criou e estrelou a série À Beira do Caos, sobre quatro mulheres de meia-idade tentando equilibrar maternidade, trabalho e afetos em Los Angeles. Embora de tom leve e cotidiano, a série refletia seu estilo característico: personagens femininas complexas, diálogos naturais e um olhar irônico sobre as relações humanas.
Em Hostage, ela leva essa bagagem para outro registro: Vivienne Toussaint, presidente da França, é ao mesmo tempo poderosa e frágil, uma mulher cuja vida íntima ameaça corroer sua carreira política. Delpy consegue imprimir ao papel tanto a sofisticação de uma líder quanto a vulnerabilidade de alguém aprisionada por escolhas pessoais — e é justamente essa ambiguidade que torna sua atuação tão fascinante.
Um duelo de atuação
O que eleva Hostage acima da categoria de “thriller descartável” é justamente a forma como Jones e Delpy contracenam. Sempre que Abigail e Vivienne dividem a tela, a série se transforma em um duelo de inteligências, estilos e visões de poder. A química entre elas prova que os grandes dramas políticos não se sustentam apenas nas conspirações, mas sim nos atores que dão corpo às suas consequências.
O sucesso imediato da série comprova esse magnetismo. Hostage rapidamente chegou ao topo global da Netflix, em grande parte graças ao alcance de suas protagonistas: Suranne atrai fãs de thrillers britânicos intensos, enquanto Delpy conecta-se com os amantes do cinema independente europeu.
Ao mesmo tempo, ambas conquistam o público que procura suspense político de ritmo acelerado. Essa versatilidade rara, que poderia ter ficado restrita a nichos específicos, é justamente o que transforma a minissérie em fenômeno internacional.
No fim das contas, as bombas e os sequestros podem até ser apenas pretexto. O verdadeiro espetáculo de Hostage está em como Suranne Jones e Julie Delpy reafirmam-se como atrizes globais e indispensáveis, capazes de carregar não apenas personagens, mas a própria credibilidade da série em seus ombros.
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