Não sou da tribo que via em Lena Dunham a voz da geração millennial e que a colocava em um pedestal há uns 10 anos, quando Girls surgiu como uma resposta jovem e mais autêntica a Sex and the City. Nunca neguei seu talento como storyteller, mas, de alguma forma, sua transparência e sinceridade se aproximavam do meu conceito (antiquado?) de exposição excessiva da intimidade. Tinha outras críticas também, mas isso é irrelevante agora. O inquestionável era que Lena sabia contar – e muito bem – histórias românticas.
Na época, a atriz-roteirista-diretora vivia um romance sério com o músico Jack Antonoff, que conheceu ainda estudante e já despontava como um produtor de sucesso (trabalhou com Lorde, Lana Del Rey e Taylor Swift), além de ter sua própria banda, a Fun. Um casal indie que poderia ser classificado como power couple, porém com um twist.
Lena, sempre honesta, refletia como Jack foi namorado de Scarlett Johansson antes dela e se comparava fisicamente à atriz, de forma carinhosa e respeitosa, mas deixando bem à vista parte de suas inseguranças. Com tanta fama, as fofocas logo começaram a circular sugerindo que Jack a traiu com Lorde, algo negado pelos três. Mas algo desandou e eles romperam em 2017.
Os problemas de saúde de Lena — que enfrentou endometriose (com histerectomia em 2018), vício em benzodiazepínicos e recebeu diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos e TOC ao longo dos anos — também tiveram impacto no relacionamento. Para deixar o drama ainda mais completo, logo depois Jack começou a namorar, e acabou se casando, com a atriz Margaret Qualley, em agosto de 2023 — o que levou muitos dos que não gostam de Lena a destacarem as diferenças físicas entre as duas.
Essa longa e intrusiva introdução é necessária porque a nova série Too Much tem gerado muitos comentários sobre esse cenário — mais, até, do que sobre a qualidade da produção. O que é um tanto injusto. Ora, quem já passou por rompimentos dolorosos e problemas de saúde tem uma empatia especial por Lena Dunham.
Ela, que foi símbolo dos intelectuais do Brooklyn, faz parte da leva de artistas que têm deixado os Estados Unidos para trás e se mudado para Londres (na lista: Tom Cruise, Johnny Depp, entre outros) para recomeçar sua vida pessoal e profissional. Quem dera poder fazer o mesmo! E que sorte — mal chegando lá, ela encontrou o amor verdadeiro de forma inesperada. Too Much é justamente sobre essa experiência.
A protagonista da série, Jess (Megan Stalter, de Hacks), está infeliz em Nova York porque seu namorado, Zev (Michael Zegen), terminou com ela, e sua carreira como produtora de comerciais de TV também parece ter chegado ao fim. Lena interpreta a irmã de Jess, e as duas vivem ainda com a mãe (Rita Wilson) e a avó (Rhea Perlman) em Long Island. Um pesadelo. Para piorar, Jess está obcecada por Wendy Jones (Emily Ratajkowski), uma influenciadora que está noiva de seu ex.
Para escapar disso tudo, Jess se transfere para Londres em busca de um recomeço — coincidentemente, no momento em que Zev pede Wendy em casamento. Por sorte (ou destino?), ela conhece imediatamente o cantor de bar Felix (Will Sharpe) e, como num passe mágico realista, os dois se apaixonam.
Comédias românticas são sempre clichês. Mas quando surgem de histórias reais (como em Ninguém Quer, também da Netflix), há novas vertentes. Em vez de curtir o que está na tela, o público busca os paralelos e as imagens verdadeiras para comparar. Claro que é divertido, e Lena mal disfarça no elenco a semelhança física de todos (ela está casada com o músico londrino Luis Felber), mas o caso aqui é mais curioso.
O rompimento com Jack Antonoff foi — em tese — amigável, mas quem assiste Too Much nota as mensagens nada disfarçadas de críticas e mágoas do que ela viveu com ele. É (im)possível assistir sem pensar nos paralelos.
Mas isso faz a série ser ruim? Ou boa? Não exatamente. Too Much tem os constrangimentos assinatura de Lena Dunham — pensados mesmo para incomodar — mas oferece um lado mais suave e esperançoso para o amor. E, para os românticos, isso é sempre positivo. Até porque a autenticidade da autora ainda a coloca em um patamar acima das demais quando tenta dizer algo conhecido de forma diferente. E quem consegue, consegue. Como o próprio Felix diz: Jess é “exagerada (too much)”, ou melhor, “a medida certa — e um pouco mais.”
A diferença que Too Much traz para o gênero das séries românticas está justamente em fincar no chão os traumas e experiências negativas que moldam seus personagens. São pessoas tentando recomeçar com os olhos abertos, mesmo com os corações ainda feridos. Não há espaço aqui para fantasia escapista jovem-adulta onde tudo se resolve como em conto de fadas. O olhar aguçado e confessional de Lena Dunham ainda justifica, sim, sua antiga alcunha de “voz de uma geração”.
Too Much não é apenas sobre romance. É sobre cura, sobre manter-se vulnerável mesmo após perdas e dores reais. E, acima de tudo, é sobre transformar cicatrizes em narrativas. Ao assistir, vale deixar de lado o julgamento biográfico e se entregar à ideia de que, às vezes, a medida certa do amor é justamente… um pouco demais.
Assine a newsletter de CLAUDIA
Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:
Acompanhe o nosso WhatsApp
Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp.
Acesse as notícias através de nosso app
Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.
Portuguese