Claudia Ohana: “O mundo é dividido entre ansiosos e deprimidos. Eu sou ansiosa”

Seis anos foi o tempo que tiveram juntas. Do encontro com a mãe biológica até o último dia em que a viu, a menina não esperava um convívio tão breve. Criada até os 9 anos pelos tios, a quem chamava de pais, nunca suspeitou que era filha da primeira montadora de cinema do Brasil. Mas, a partir da descoberta de sua origem, seu destino tomaria outro rumo.

A história parece enredo de novela, mas é parte real da vida de Claudia Ohana e de sua mãe, Nazareth Ohana. Ao contrário das tramas de ficção, porém, a revelação sobre a sua família não foi dramática. “Fiquei feliz de ter duas mães”, lembra Claudia. A atriz deixou Niterói, no Rio de Janeiro, ao lado da irmã, para viver com Nazareth na capital fluminense — e ali teve uma infância nada ortodoxa.

Tomava banhos de mar nua com a mãe e seus amigos, aprendeu a tocar violão, descobriu o cinema e foi criada para ser independente, tudo embalado por uma trilha sonora que ia de The Beatles a Chico Buarque. “Minha mãe era livre e me deixava muito solta. Ela me deu uma liberdade que me preparou para a vida”, conta.

Mas essa autonomia tinha seus limites. Quando Claudia foi aprovada para atuar na TV Globo ainda criança, Nazareth proibiu que seguisse com a ideia. “Ela permitia quase tudo, mas não me deixava ser atriz mirim. Fiquei chateada na época, mas hoje entendo. É complicado para uma criança entrar na televisão, porque ela se torna diferente das outras.”

Como a morte precoce da mãe marcou a vida de Claudia Ohana

Claudia Ohana está de vestido OsklenMaria Magalhães/CLAUDIA

Claudia Ohana viveu com a mãe biológica até os 15 anos, quando Nazareth faleceu em um acidente de carro. “Supero que minha mãe tenha morrido, mas não supero o que isso me trouxe. A morte, para uma criança, é abandono, e isso deixa consequências”, reflete. Medo da perda, inseguranças e fobias são algumas das cicatrizes que carrega desde então. Mas não são as únicas.

“O mundo é dividido entre ansiosos e deprimidos, eu sou ansiosa”, comenta. O retrato mais claro dessa ansiedade veio na forma da nosofobia, um medo irracional e excessivo de contrair doenças, que chegou a tal ponto que Claudia já não conseguia distinguir sintomas reais de sensações criadas pela própria mente.

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A ansiedade, porém, nunca a impediu de dar vida a personagens inesquecíveis da teledramaturgia brasileira, fazer sucesso no cinema e no teatro, ter uma filha e dois netos, viver grandes amores, e se tornar uma das mais importantes vozes no combate ao etarismo.

Do trabalho com Gabriel García Márquez até o sucesso de Vamp

Claudia Ohana fala sobre sua filha
Claudia Ohana usa tricô oversized, AnselmiMaria Magalhães/CLAUDIA

Chegar ao sucesso não foi simples. Antes de estourar, a atriz costumava pegar listas de filmes em produção e ligar para todos os responsáveis em busca de uma oportunidade. “Nunca pensei em desistir, não existia essa possibilidade para mim, porque o trabalho me deu a âncora do meu barco, foi a minha raiz.”

Ainda aos 15 anos, estreou no cinema com o longa Amor e Traição e, depois, fez pequenas participações na TV Globo como em Obrigado, Doutor e Amizade Colorida. Quatro anos depois, em 1982, conquistou um marco ao atuar no filme Erêndira (1983), com roteiro de Gabriel García Márquez, autor de Cem Anos de Solidão, que inclusive participou das filmagens.

Curiosamente, Ohana chegou ao México para fazer o trabalho um dia antes de o escritor ser anunciado como vencedor do Prêmio Nobel de Literatura.

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“Mudou tudo nas filmagens, havia uma multidão em volta dele. E a gente não se dava bem, porque eu não aguentava todo mundo puxando o saco do Gabo. Além disso, mesmo sabendo outras línguas, ele só gostava de falar em espanhol, e eu queria falar em italiano. Era uma típica adolescente rebelde”, diz a artista, que domina cinco idiomas.

Mais tarde, voltaram a trabalhar juntos e criaram uma boa relação. “Ele veio ao Brasil acompanhar as filmagens e nos demos bem. Passei a ler tudo dele. Raramente se conhece um gênio, e ele era um.”

Tieta mudou tudo

Quem a alçou ao sucesso, porém, foi a novela Tieta (1989), inspirada no livro de Jorge Amado. A atriz ficou conhecida pelo grande público após interpretar a protagonista na primeira fase da novela. Numa das cenas mais marcantes de sua carreira, é flagrada pelo pai em um momento íntimo, humilhada em praça pública e expulsa da cidade fictícia de Santana do Agreste.

O fenômeno Vamp

Mas, se uma história tão humana a revelou ao mundo, foi a trajetória de um ser sobrenatural que a tornou querida pelos espectadores. Em 1991, ela deu vida a Natasha, a vampira e estrela do rock da novela Vamp, um fenômeno do horário das sete que chegou  a marcar 70 pontos de audiência (hoje o número costuma ficar abaixo dos 30). Claudia se tornou um fenômeno.

Na época, morava em um apartamento térreo no Rio de Janeiro, e precisava escapar das pessoas que iam bater na sua janela e quando ia ao supermercado ou ao banco. “Sempre me vi como uma trabalhadora e nunca corri atrás da fama, mas de um bom trabalho. Não me defino pelo sucesso, nem pelo fracasso, e sim pela minha história”, diz. 

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O sucesso e as controvérsias da novela A Próxima Vítima

Claudia Ohana fala sobre seus relacionamentos
Claudia Ohana usa vestido Anselmi; brincos, Paola VilasMaria Magalhães/CLAUDIA

Ainda que não corresse atrás da fama, o sucesso a encontrava. Um de seus papéis mais marcantes foi o da vilã de A Próxima Vítima (1995), que provocou reações intensas no público, e também marcou uma época em que a agressão contra as mulheres ainda era relativizada.

“O Brasil parou para ver Isabela sendo espancada na escadaria. A princípio, sua família a achava uma boa pessoa. Depois, por ter traído o namorado, merecia apanhar. Será que merecia? Ainda há uma cena em que ela é esfaqueada, e isso depois do caso Ângela Diniz.”

O caso mencionado pela atriz é o do assassinato da socialite Ângela Diniz, morta pelo namorado, Doca Street, em 1976. No julgamento, o advogado Evandro Lins e Silva usou a tese de legítima defesa da honra para defender o cliente. A tese dizia que um homem poderia matar a esposa ou namorada em caso de traição.

Ele foi condenado a dois anos de reclusão, mas, como já tinha cumprido mais de um terço da pena antes da condenação, saiu do tribunal pela porta da frente, aplaudido pela multidão que acompanhou o julgamento. Depois do movimento “quem ama não mata”, a promotoria entrou com outro processo, que levou à prisão de Doca Street em regime fechado por três anos e meio. 

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“Hoje, acho que nem deixariam essa novela passar, mas ela mostra bem o que significava a violência contra a mulher naquela época”, diz Claudia. A gravação das cenas a desgastava muito. “Me dava muita dor de cabeça e acabavam me machucando”, lembra. “Eu gosto do desafio, mas é diferente o desafio do que é uma cena onde você é espancada e te machucam.”

A vontade de superar os limites, porém, persiste em Claudia. Basta que alguém lhe diga que não é capaz de fazer algo, para que ela seja tomada pela vontade de provar que pode.

Para este ensaio de CLAUDIA, a xará da revista não pediu uma única pausa entre as fotos — trocava de look em minutos, fazia questão de saltar, agachar e se equilibrar nos parapeitos à beira-mar, ao longo das seis horas de duração da sessão. “Quero mostrar que eu posso e quero que as pessoas se surpreendam comigo, porque quero ser extraordinária.”

O peso do olhar masculino na carreira de Claudia Ohana

Claudia Ohana conta curiosidades sobre sua carreira
Claudia Ohana veste camisa e calça, Osklen; anel, Paola VilasMaria Magalhães/CLAUDIA

Claudia Ohana estourou em uma época em que o sucesso levava jovens atrizes à capa de uma outra revista, porém: a extinta Playboy, que trazia ensaios nus de suas estrelas. Ela estampou a edição de fevereiro de 1985, em troca de apenas US$ 5 mil, valor muito abaixo do que costumava ser pago. A capa fazia parte da divulgação do filme Erêndira. Junto com o papel em Vamp, o ensaio da Playboy se tornou outro grande marco de sua carreira.

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A atriz precisou lidar com o peso de ser considerada símbolo sexual numa época em que o discurso sobre consentimento era outro. “Sofria assédios em qualquer lugar, desde muito nova. Era chato ser assediada por um diretor, por exemplo, estando numa posição de atriz, mas tive que aprender a lidar com isso.”

Por outro lado, a artista também tinha uma visão diferente sobre o constante olhar masculino. “Vejo agora que as mulheres se incomodam muito por esse olhar masculino, e eu não me incomodava. Mas também não fazia algo pensando em agradar aos homens.” 

Claudia Ohana se tornou mãe aos 20 anos. Sua filha, Dandara, é fruto do relacionamento com o diretor Ruy Guerra, que tinha 52 anos na época.

“Olhando para trás, acho uma loucura, uma diferença absurda, mas na época a gente achava que era igual. Eu era muito nova para ter um filho; o Ruy era um homem muito mais velho e isso me dava segurança. Ele também gostava de brincar, era muito criança, e isso me acolhia, não existia isso de ‘ó grande mestre muito mais velho’. Acho que cresci muito sendo mãe, cresci muito junto com a minha filha.”

Quando terminaram o relacionamento, em 1984, continuaram com uma forte ligação. Não era incomum a atriz dormir junto com Ruy, Dandara e Janaína, filha do ex-parceiro, em uma cama enorme. “Ele era uma âncora para mim, sempre foi”, diz ela. Dandara escolheu a mesma profissão da mãe, e deu a Claudia seus dois netos: Martim e Arvo.

Depois de Ruy, a atriz viveu outros amores. “Acredito no amor, mas confesso que tenho dificuldade de construir, porque não suporto DR [discussão de relacionamento]. Acho que sou imatura emocionalmente, e tento amadurecer, porque é bonito evoluir.”

Como Claudia Ohana se tornou uma das principais vozes no combate ao etarismo

Claudia Ohana fala sobre etarismo
Claudia Ohana veste maiô Adriana DegreasMaria Magalhães/CLAUDIA

Hoje em dia, Claudia Ohana é uma das figuras mais atuantes na luta contra o etarismo — não necessariamente por opção.

“A vida foi me levando a me posicionar, porque as pessoas colocam a gente em caixas. Se você tem 60, aparece a imagem do idoso com uma bengalinha. Isso é tão longe de mim que eu tive que me colocar. É importante que as mulheres na minha idade falem que têm desejo, que podem tudo. Envelhecer é incrível, você nasce envelhecendo, mas quando a palavra ‘velha’ é usada para agredir, há um problema.”

Aos 62 anos, ela se reinventa o tempo inteiro. Erra, aprende e continua fazendo seu trabalho. “Não sou perfeita, preciso melhorar em tantas áreas. E não me acho incrível e maravilhosa, só às vezes. Um dia eu falo ‘nossa, como eu sou inteligente’ e no outro eu digo ‘nossa, como eu sou qualquer nota, como sou medíocre’. As pessoas acham — não sei por que, sou uma mulher de 1,60 m — que sou forte, segura. Eu sou isso, mas também sou insegura e cagona.”

Recentemente, a atriz voltou aos palcos com a peça Toc Toc, fez uma participação na novela Vale Tudo, interpretando a si mesma em uma campanha fictícia voltada ao público 60+, e compartilha seus pensamentos, hábitos de vida e projetos com os seus 1,2 milhão de seguidores do Instagram, espaço que também se tornou ambiente de trabalho para a artista.

A maturidade está tornando-a cada vez mais próxima de seu desejo. “Não estou mais preocupada em dizer ‘olha, eu sou inteligente; olha, sou boa atriz’”. Isso o Brasil já sabe faz tempo.

Créditos

  • Foto: Maria Magalhães
  • Styling: José Camarano  
  • Beleza: Ewertton Alves  
  • Direção de arte: Kareen Sayuri

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