Dudu Bertholini: “Fico feliz quando meu trabalho naturaliza a excentricidade”

“Quanto mais eu investigo, mais percebo como a moda é intrínseca à minha vida.” Com estas palavras, Dudu Bertholini começa a desenhar o mapa de sua trajetória — um percurso que tem a infância como solo fértil e a excentricidade como bússola.

Nosso bate-papo ocorre em meio a uma semana atribulada para o estilista, num período entre gravações e compromissos. Mesmo assim, ele se entrega de corpo e alma. Bastam alguns segundos de conversa para entender que Dudu é uma daquelas figuras que carregam uma aura especial, transformando o ambiente com sua presença.

Nascido em São Paulo, o designer de moda cresceu entre a cidade grande e Limeira, interior paulista, onde viveu dos 10 aos 17 anos. Ainda criança, se apaixonou por personalidades que iam de desencontro com o que era esperado. “Era absolutamente fascinado por pessoas que rompiam com a normatividade ou que tinham coragem de se expressar através da moda.”

A moda, para ele, era mais do que estética: era código, linguagem e liberdade. Uma de suas tias, Marisa Dragoni, foi sua primeira musa inspiradora, com seus scarpins Czarina. “Ela tinha garras vermelhas e um cabelo curtinho, parecido com o da Monique Evans dos anos 1980.”

E então veio Nina Hagen: “Fiquei com uma mistura de fascínio e medo dela”, relembra sobre ter visto uma apresentação da cantora no Rock in Rio de 1985, transmitido pela televisão. Sua avó, ao ver a imagem da artista na TV, fazia o sinal da cruz; já Dudu, aos 6 anos, só via encantamento.

Nascido em São Paulo, o designer de moda cresceu entre a cidade grande e LimeiraKoichi Sonoda/CLAUDIA

Desde muito jovem, Dudu Bertholini entendeu que sua presença não seria discreta e nem passaria incólume. “Eu olhava para o mundo à minha volta e já sabia que não cabia naquela lógica binária”, o artista sempre defendeu a ideia de que roupas não têm gênero e se define como uma pessoa não-binária.

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“Havia em mim um entendimento de que existia um mundo lá fora de pessoas que pensavam como eu”

Dudu Bertholini

    O desconforto foi, ao mesmo tempo, dor e propulsão: “Por um lado, sou grate por não ter vivido episódios de violência e por ter tido apoio da minha família e amigos, mas foi difícil ser uma pessoa fora da norma. Apesar dos avanços que ainda estamos pleiteando, já evoluímos muito, inclusive em relação à minha infância, mas ainda vivemos num mundo muito díspar”.

    Nos tempos de escola, o garoto excêntrico vivia num território de estranhamento. Para ele, sempre foi uma questão de esperar quanto tempo iria demorar para algum colega começar a chamá-lo de “bicha”. Mas o otimismo sempre foi uma de suas melhores qualidades.

    “Havia em mim um entendimento de que existia um mundo lá fora de pessoas que pensavam como eu, ou que estavam dispostas.” Foi aos 14 anos, ao ver uma reportagem sobre a Faculdade Santa Marcelina (referência em Moda), que encontrou um ponto de fuga. “Na hora soube: é isso que quero fazer. E tive pais maravilhosos que me deram essa oportunidade.”

    Entrevista Dudu Bertholini para CLAUDIA
    Em um tempo em que a tecnologia parecia querer higienizar as estéticas, sua extinta marca, Neon, apostava no autoralKoichi Sonoda/CLAUDIA
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    Anos depois, ao lado da estilista Rita Comparato, fundaria a Neon — um dos projetos mais icônicos da moda brasileira dos anos 2000. “Foi uma experiência fantástica, da qual eu tenho o maior orgulho e amor”, descreve sobre a fase como empreendedor. Em um tempo em que a tecnologia parecia querer higienizar as estéticas, a marca apostava no autoral.

    “A gente vinha resgatando um jeito de fazer superancestral, com estampas produzidas a partir de xilogravuras, carimbo, óleo”, detalha as criações modernistas tropicais feitas numa época em que se esperava que a moda refletisse os avanços tecnológicos do início da virada do milênio, com uma propensão a uma estética asséptica. “Chegamos nos anos 2000 e a internet faz o contrário. Ao invés de favorecer um mundo tecnológico, industrial ou higienizado, ela coloca no liquidificador todas as épocas e estéticas ao mesmo tempo”, analisa.

    Sua marca, que surgiu com o sonho de transformar a moda brasileira em potência internacional, acabou encerrando sua jornada após dificuldades financeiras. “Quebramos aos 30 anos de idade com uma dívida, depois de se dispor a uma aventura de empreendedorismo absurdo.” Mas ele afirma, sem hesitar: “Faria tudo de novo”.

    Aliás, falar sobre moda com Bertholini é um verdadeiro privilégio. “Última das moicanas da internet”, como ele se define, o estilista teve a oportunidade de acompanhar diferentes eras e discussões do setor. Inteligente e articulado, seus olhos brilham ao analisar a transformação do universo fashion ao longo de seus 45 anos. “A moda é um espelho do mundo. Jamais faria sentido que ela barrasse o progresso.”

    Entrevista Dudu Bertholini para CLAUDIA
    Em março, Dudu assumiu um novo papel: o de apresentador do programa Esquadrão da Moda, do SBTKoichi Sonoda/CLAUDIA
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    Ao refletir sobre inteligência artificial, defende que a criatividade humana será cada vez mais necessária. “A linguagem é o padrão; o desvio é o poeta. O poeta consegue, através desse padrão, criar algo que a linguagem sozinha não é capaz”, ele cita uma ideia discutida recentemente com a pesquisadora Olivia Merquior, durante uma conversa sobre o futuro da moda.

    Confiante, vibra ao ver uma geração nova ocupando espaços que antes eram inacessíveis. “É lindo que a gente tenha eventos com designers pretos, travestis, periféricos. Temos estilistas da Bahia, Piauí, Rondônia, que não precisam mais estar em São Paulo para fazer sucesso.”

    A pluralidade, para ele, é o que costura tudo. E se há algo que aprendeu ao longo do caminho é que moda nenhuma vale mais que o direito de ser quem se é. “Eu não posso dar outra coisa que não seja minha autenticidade. Fico feliz quando meu trabalho ou quem eu sou corrobora para minimizar a experiência de outras pessoas, para que se naturalize a pluralidade, a diversidade e, por que não, a excentricidade.”

    “Fico feliz quando meu trabalho ou quem sou naturaliza a pluralidade, a diversidade e, por que não, a excentricidade”

    Dudu Bertholini

    Em março, Dudu assumiu um novo papel: o de apresentador do programa Esquadrão da Moda, do SBT. A chegada de uma figura excêntrica, não-binária, abertamente política e maximalista à televisão aberta poderia parecer inusitada — mas foi recebida com carinho por um público que, muitas vezes, já o confundia como integrante do programa.

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    No ar há mais de 15 anos, o formato já teve no comando a dupla Isabella Fiorentino e Arlindo Grund, e Dudu garante querer seguir o legado dos ex-apresentadores, dos quais é fã declarado.

    “Quero fortalecer a ideia de que a moda não está aqui para ditar o que você deve usar. Inclusive, muita gente fala: ‘Como é que você, alguém que se veste de maneira espalhafatosa, fará uma cartilha de certo e errado do que uma pessoa deve usar?’ Acho que é justamente por não ser padrão, que estou ali com a mensagem de que não vamos fazer uma pessoa se encaixar numa cartilha.”

    Entrevista Dudu Bertholini para CLAUDIA
    Dudu já teve grandes atuações na TV aberta, a mais recente foi sua estreia no Esquadrão da ModaKoichi Sonoda/CLAUDIA

    Ao lado de Renata Kuerten, ele participa da jornada das participantes, mergulhando em suas histórias e respeitando suas vivências. Afinal, para Dudu, a moda sempre teve a ver com pessoas, não com roupas. Essa sensibilidade se estende ao Drag Race Brasil, reality onde também atua como jurado. Lá, pode explorar ainda mais toda sua paixão pela performance.

    “Nunca tive medo de falar para grandes audiências”, conta ele, que fez parte também do elenco de Amor & Sexo, extinto programa de Fernanda Lima na TV Globo. “Com essas participações, furei a bolha. E como sou uma pessoa muito única, que além de tudo tem 1,92 de altura, e não tem uma roupinha no armário que passe batida, eu chamo a atenção de qualquer jeito”, declara sobre ser uma figura reconhecida pelo grande público.

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    Por trás da imagem vibrante e bem humorada, Dudu é alguém que busca refúgio na intimidade. Em maio, celebrou cinco anos de casamento com o multiartista Gama Higai. Juntos, vivem em um apartamento de paredes de um azul elétrico e espaço para grandes sonhos. “Minha casa é meu porto seguro. Lido muito bem com a não rotina e me ancoro muito em mim.”

    Nos dias difíceis — e eles existem — consegue lidar com suas emoções de forma leve. “Como é que vamos conhecer o nosso sorriso se não conhecermos nossas lágrimas?”, questiona. Com uma agenda cheia, ele encontra tempo para viajar, jantar fora, festejar com os amigos.

    “Eu tenho um encantamento pela vida, aprendi com o meu pai a cultivar as coisas que gosto, não como as mais certas ou melhores que as dos outros, mas como alicerces que me dão pertencimento.”

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