O drink pronto roubou o lugar do mixologista?

O mercado de bebidas está em plena transformação: os prontos para beber conquistaram o público, mas a arte do mixologista segue em alta.

Nos últimos anos, a indústria de bebidas alcoólicas tem sido marcada por uma nova tendência: os drinks prontos para beber, conhecidos como RTDs (ready to drink, na sigla em inglês). Esses produtos, que combinam conveniência e agilidade, conquistaram crescente popularidade, especialmente entre os consumidores que buscam uma experiência sem a necessidade de preparar coquetéis elaborados.

No Brasil, a categoria de coquetéis em lata movimentou R$ 2 bilhões em 2023, com um crescimento de 15% no volume de vendas, alcançando cerca de 102 milhões de litros, conforme dados da NielsenQI.  Embora a maior procura ocorra durante o Carnaval, a popularidade dos RTDs tem se mantido constante ao longo do ano, refletindo uma mudança nos hábitos de consumo. Entre os rótulos que dominam o mercado estão gigantes como a Beats, da Ambev, a Smirnoff Ice, da Diageo, mas também algumas marcas que começaram pequenas e vêm crescendo ano a ano como as mineiras Xeque Mate, Equilibrista e Stone Light.

A ascensão dos RTDs, com suas versões enlatadas de clássicos da coquetelaria e releituras contemporâneas, levantou um debate entre profissionais do setor: o crescimento desses produtos pode ameaçar o papel dos mixologistas nos bares? A resposta para essa pergunta não é simples e está diretamente ligada ao contexto e à ocasião.

Mixologia e RTDs: podem ser aliados, não rivais

Para Xandão Loureiro, mixologista dos bares Cabernet Butiquim e Rex Bibendi, em Belo Horizonte, os RTDs cumprem um papel importante na disseminação da cultura da coquetelaria, especialmente ao ampliar as ocasiões de consumo. “Os drinks já prontos para servir podem preencher a lacuna onde não há mão de obra para execução dos drinks ou onde a praticidade é a prioridade”, afirma. Ele destaca que a mixologia, longe de ser rival dos RTDs, é uma aliada: “Ela é a ferramenta por trás da criação dos RTDs, e quanto mais bem aplicada, melhor a qualidade para o consumidor final.”

William Miranda, mixologista do Montê Bar, acrescenta que o sucesso dos RTDs também revela uma mudança de perfil do consumidor. “Hoje muita gente busca praticidade e preço acessível, o que é totalmente compreensível. Mas é importante que isso não reduza a valorização do trabalho artesanal do mixologista”, aponta. Enquanto os RTDs oferecem a vantagem de serem rápidos, acessíveis e de fácil armazenamento, permitindo que os consumidores desfrutem de um coquetel de qualidade sem precisar de habilidades específicas, os mixologistas continuam sendo os responsáveis por criações autorais e personalizadas. “Hospitalidade, frescor dos insumos e criatividade personalizada para cada convidado, conforme seu momento, definem a essência do ofício. O mixologista não só cria bebidas, mas oferece uma experiência imersiva, envolvendo o ambiente, a história do drink e até mesmo o processo de sua preparação. A habilidade de criar coquetéis exclusivos e a interação direta com o cliente fazem parte do charme dessa arte, criando uma conexão difícil de ser substituída por um produto pronto”, defende.

RTDs como porta de entrada para a coquetelaria

Com o avanço da tecnologia e maior exigência dos consumidores, os RTDs também vêm se tornando mais sofisticados, com marcas investindo em receitas que emulam a percepção sensorial dos coquetéis feitos na hora. As opções vão desde gin tônicas, mojito, caipirinha até soft bitters e whisky sours, agradando diferentes perfis de público. Além da facilidade, o preço competitivo também é um fator determinante.

Para Guilherme Drager, sócio da marca Equilibrista, os prontos para beber funcionam como um complemento ao trabalho dos bartenders. “O ‘boom’ dos RTDs ajudou a ampliar o olhar do consumidor, levando-o a explorar opções além da cerveja. Com isso, os coquetéis ganharam espaço como alternativa”, explica. Drager destaca que essas bebidas funcionam como uma porta de entrada para o consumidor que ainda não tem familiaridade com o universo da coquetelaria: “À medida que a pessoa experimenta e se identifica, ganha confiança para explorar drinks mais elaborados e personalizados, aprofundando-se na cultura dos coquetéis”, completa.

Para William Miranda, os drinks prontos cumprem um papel interessante, mas oferecem uma experiência bastante distinta. “É importante lembrar que um coquetel preparado na hora envolve mais do que sabor — ele carrega a atenção ao cliente, o frescor dos ingredientes e um toque de exclusividade. Não dá para comparar diretamente com um RTD, que tem outra proposta e objetivos diferentes”, pontua.

Inovação e futuro do setor

O mercado observa essa transformação com otimismo. Para Adriano Dias, mixologista do Terraço Niê, os RTDs não apenas têm seu espaço, como impulsionam a criatividade dos profissionais. “O drink pronto é uma evolução natural do mercado e seu crescimento não representa o fim da mixologia. Pelo contrário, ele nos desafia a repensar formatos de serviço e a criar coquetéis que conversem com esse tipo de produto. Acredito que sua principal vantagem seja a possibilidade de encontrar no supermercado um produto pronto com sabor muito próximo ao de um clássico preparado no bar.”

Além da experiência individual, a colaboração entre marcas e profissionais é uma estratégia crescente. “A parceria entre marcas de RTDs e mixologistas é uma estratégia necessária num mercado competitivo. De um lado, temos a criatividade e técnica dos bartenders; do outro, a estrutura e alcance das marcas. Juntas, essas forças criam bebidas que unem sabor e sofisticação, mantendo a essência artesanal da coquetelaria”, observa Carol Benatti, cofundadora da marca Stone Light.

Ela ressalta que essas colaborações vão além do produto em si: “Estamos falando de uma nova forma de pensar o mercado de bebidas, que valoriza tanto a praticidade quanto a experiência. Quando um mixologista contribui para a criação de um RTD, ele leva consigo conhecimento técnico, sensibilidade para o paladar do público e uma assinatura criativa que agrega valor. Isso permite que o consumidor perceba que está adquirindo não apenas uma bebida pronta, mas o resultado de uma curadoria cuidadosa. E essa conexão é o que fideliza e engaja.”

No fim, a convivência entre os dois mundos deve ser a chave para a evolução do mercado de bebidas. O futuro aponta para uma fusão entre a tradição da mixologia e a inovação dos produtos prontos para beber, mostrando que, em vez de competir, essas vertentes podem coexistir e atender a diferentes demandas e momentos de consumo.

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