Quem é a mulher que criou o Tinder? Novo filme responde

Sempre achei irônico que, quando falamos sobre a “criação das redes sociais”, a associação imediata seja a Mark Zuckerberg e ao Facebook (hoje Meta), ignorando que a primeira rede foi criada em 1997 por Andrew Weinreich com o SixDegrees. Os “criadores” iniciais caíram no esquecimento, e aposto que, se eu disser o nome de Whitney Wolfe Herd, a menos que você seja aficionada por notícias do Vale do Silício, não vai se dar conta de como ela foi vital para a cultura digital de hoje.

O swipe que mudou tudo

Foi Whitney quem introduziu o “swipe” (o gesto de arrastar) no aplicativo que lançou em 2012 — sim, o Tinder — nome sugerido por ela própria. Esse gesto simples, que permite aprovar ou rejeitar alguém com um movimento de dedo, revolucionou os apps de namoro e até influenciou plataformas fora desse nicho. Mas a própria Whitney? Quase foi “arrastada para fora” da narrativa.  

De cofundadora do Tinder a criadora do Bumble: a jornada de Whitney.Disney+/Divulgação

Talvez por isso, desde que foi anunciado, o filme Deu Match: A Rainha dos Apps (Swiped) tenha me intrigado tanto. Falar sobre Whitney Wolfe Herd, cofundadora do Tinder e criadora do Bumble, já carrega expectativa: ela não apenas ajudou a mudar como nos relacionamos digitalmente, como também viveu uma das saídas mais comentadas e controversas do Vale do Silício. A pergunta que o filme me obriga a fazer é inevitável: até onde vai a verdade e onde começa a licença poética?

O ponto de partida é real e poderoso. Whitney foi uma das mentes criativas por trás do Tinder, batizou o app, cuidou do marketing universitário que o fez viralizar e ajudou a transformá-lo em fenômeno global. Mas a relação com a empresa azedou rapidamente.

Em 2014, ela saiu e processou os colegas por assédio sexual e discriminação de gênero, acusando um ambiente de trabalho tóxico. O caso foi resolvido fora dos tribunais, mas deixou cicatrizes que moldaram a próxima fase de sua vida — e que o filme não tem medo de revisitar.

Disney+
Lily James interpreta Whitney Wolfe em novo filmeDisney+/Divulgação
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Swiped acompanha esse arco de ascensão, queda e reinvenção, e é nesse ponto que a diretora Rachel Lee Goldenberg se arrisca. A obra começa quase como uma comédia romântica — uma jovem determinada se infiltra em uma festa exclusiva e conhece alguém que parece diferente de todos os outros — mas logo revela não ser uma história de amor convencional.

O romance existe, mas a narrativa central é a relação de Whitney com o mundo da tecnologia, com os colegas, com a misoginia institucional e, acima de tudo, consigo mesma.

Tóxica Silicon Valley

Talvez esse seja o melhor aspecto do filme. A primeira metade é vibrante e até cruel ao expor o lado tóxico do Vale do Silício: o sexismo casual nas reuniões, os investidores que preferem flertar a ouvir pitches, a condescendência velada dos colegas. Whitney não é santificada — o roteiro mostra que ela também se beneficia desse sistema antes de ser engolida por ele — e o longa acerta em provocar indignação à medida que a vemos sendo isolada, cortada de decisões estratégicas, ameaçada em eventos e, finalmente, forçada a sair da empresa que ajudou a construir.

Essa parte é convincente e ressoa com as denúncias que Whitney de fato apresentou na vida real. Há tensão, desconforto e até raiva. A produção recria com precisão os escritórios “playground” do início dos anos 2010, e Lily James, com um sotaque americano impecável, transmite com habilidade o misto de euforia e frustração de alguém que, tão jovem, estava no olho de uma revolução cultural e de uma tempestade pessoal ao mesmo tempo.

Entre comédia romântica e drama corporativo

A “queda” de Whitney é particularmente sufocante para nós mulheres. Em um ambiente tão patriarcal — e naquela época, ainda mais difícil para quem tentava denunciar assédio ou exclusão —, vê-la enfrentar difamações e ameaças é doloroso. Mas é na volta por cima que o filme perde fôlego. A jornada até a criação do Bumble parece linear demais, quase fácil demais.

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A narrativa recorre a clichês típicos de cinebiografias: a cena da epifania, as montagens aceleradas que comprimem anos de trabalho em segundos e uma escalada tão limpa que a personagem deixa de parecer humana para se tornar uma heroína quase mitológica. Isso, paradoxalmente, tira a força da vitória de Whitney.

O charme perigoso de Andrey Andreev

Whitney Wolfe Herd: insider, vítima e pioneira ao mesmo tempo.
Atriz Lily James dá vida à Whitney Wolfeem novo filme.Disney+/Divulgação

Essa simplificação esconde as ambiguidades. Whitney foi, ao mesmo tempo, vítima e insider do sistema que depois combateria — um dilema que o filme flerta em explorar na primeira metade, mas abandona na segunda. É por isso que, apesar da ótima atuação de Lily James, as cenas mais interessantes acabam vindo de Dan Stevens como Andrey Andreev, o investidor russo que ajuda a financiar o Bumble.

Cheio de contradições, engraçado e imprevisível, ele injeta energia em uma parte da narrativa que, de outro modo, pareceria polida demais. Stevens, aliás, está irreconhecível para as fãs de Downton Abbey e praticamente repete o sotaque russo que fez sucesso em Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga (2020). O resultado? Ele rouba a cena mais uma vez.

Girlboss ou heroína incompleta?

No fundo, Swiped quer ser uma “fábula girlboss”, uma história de empoderamento feminino. E, se você sente que ficamos apenas na superfície de uma história que foi bem mais complicada na vida real, é porque é verdade. A cinebiografia entrega emoção, indignação e catarse, mas sacrifica nuances — em parte porque Whitney não pôde participar ativamente do projeto, devido aos acordos de confidencialidade que ainda a vinculam ao Tinder.

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O próprio filme explica isso, e o que vemos na tela é uma mistura de fatos públicos com imaginação dos roteiristas. Para quem busca inspiração, o longa funciona. Para quem quer mergulhar nas zonas cinzentas, dilemas éticos e contradições do mundo dos apps de namoro, é preciso ir além da tela e recorrer a entrevistas e reportagens.

Tinder e Bumble
Swiped expõe o lado tóxico e sexista do Vale do Silício.Disney+/Divulgação

Ainda assim, Swiped cumpre um papel importante: denuncia a misoginia endêmica do setor, dá rosto e voz a uma mulher que escolheu transformar o trauma em revolução e reafirma que há espaço para contar histórias de tecnologia sob uma lente feminina. Mas, como biografia, deixa no ar a sensação de que poderíamos ter ido mais fundo — e que a vida real de Whitney Wolfe Herd continua sendo, ela mesma, a narrativa mais complexa e fascinante.

Do Tinder ao WeWork: a febre das cinebiografias corporativas

Assistir ao filme é também perceber como Hollywood encontrou um novo filão em histórias corporativas e de tecnologia. É impossível não lembrar de She Said, que dramatizou a investigação jornalística sobre Harvey Weinstein, de WeCrashed, sobre o colapso do WeWork, ou de Tetris, que transformou uma disputa de licenciamento em thriller.

Todas essas produções têm algo em comum: querem transformar histórias complexas em narrativas emocionantes, criando heróis e vilões bem definidos. Swiped segue esse caminho — o que a torna palatável, mas também segura. É um retrato que inspira, mas que evita a bagunça da realidade.

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