“Ele estava lá. Cumpria horários, pagava contas, levava no colégio. Mas eu nunca o senti presente.” Essa frase, dita por muitos filhos e filhas, revela uma das formas mais sutis e, também, dolorosas, de ausência parental.
Esse tipo de paternidade, silenciosa e devastadora, tem nome: pais emocionalmente ausentes. São aqueles que, apesar da presença física, não conseguem se entregar de fato a um vínculo afetivo verdadeiro com os filhos.
Para melhor compreender o tema, conversamos com os psicólogos Danilo Suassuna e Renata Yamasaki. Eles nos contam, a seguir, o que significa ser um pai emocionalmente ausente e, caso seja possível, como quebrar esse ciclo de desafeto.
Quem são os pais emocionalmente ausentes?
“Ele não compartilha emoções, evita conversas profundas, não se interessa genuinamente pela vida emocional dos filhos. Às vezes, parece sempre ocupado, cansado, distraído ou só emocionalmente inacessível”, explica Danilo.
Mais do que isso, o perfil de pai comumente acredita que garantir segurança e oferecer suporte financeiro aos filhos é o bastante para cumprir com excelência o seu papel na família. “Eles até podem prover, levar à escola, participar de eventos, mas falham em outras funções igualmente essenciais, como acolhimento, escuta e co-regulação emocional”, diz Renata.
Muitos comparecem às apresentações escolares, por exemplo, mas não sabem como elogiar, celebrar ou compreender a importância real daquele momento. “A presença que transforma é aquela que se compromete. Apenas estar ao lado é pouco”, ressalta Danilo.
Quando os filhos chegam à adolescência, o distanciamento parece ser ainda mais justificável — afinal, “já estão criados”. E é justamente nessa fase, quando mais se espera acolhimento, conselhos e, principalmente, presença, que os filhos se deparam, mais uma vez, com o silêncio.
Um silêncio que se instala como um espaço vazio, marcado pela espera prolongada pelo afeto que não veio. “É como um eco: a dimensão do vazio só se percebe quando se tenta preenchê-lo”, explica o psicólogo Danilo Suassuna.
Por que isso acontece?

Por vezes, essa frieza emocional é resultado de um conjunto de fatores sociais, culturais e familiares que, inevitavelmente, tendem a moldar a forma como os homens se relacionam com suas emoções. Entre os principais estão:
- Educação emocional limitada: muitos deles cresceram sem estímulos para desenvolver habilidades emocionais. Demonstrar sentimentos, aliás, poderia estar associado à fraqueza.
- Cultura do patriarcado: o modelo tradicional de masculinidade prestigia o pai racional e exclui o lado sensível, vulnerável e humano de cada um.
- Falta de referências: muitos foram criados por homens igualmente distantes emocionalmente.
- Sobrecarga mental e estresse: pais sobrecarregados, que trabalham por um longo período de horas, ou que enfrentam dificuldades pessoais, podem se tornar emocionalmente indisponíveis.
- Dificuldade de acesso à saúde mental: a resistência à terapia ou a falta de espaços de escuta para homens ainda é um entrave à mudança desse tipo de comportamento.
“Esse pai não é, necessariamente, desinteressado. Na verdade, ele pode estar emocionalmente empobrecido ou despreparado. Muitos até desejam se conectar, mas ainda não sabem como”, pontua Renata.
Quais são os impactos da ausência emocional paterna?

Desamparados, filhos que não receberam o devido afeto e atenção tendem a ter dificuldades em reconhecer seus gostos, limites e inseguranças, o que acaba impactando na maneira como se relacionam ao longo da vida adulta.
Outros efeitos também podem surgir, como:
- Dificuldade para reconhecer e regular emoções;
- Sentimento de desvalia ou de não merecimento de amor;
- Quadros de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares ou transtornos de apego;
- Tendência a repetir relacionamentos distantes, frios ou disfuncionais.
Muitas vezes, esses sintomas só se tornam evidentes na vida adulta — ao construir relações íntimas, assumir a parentalidade ou iniciar um processo terapêutico. “A ausência emocional na infância não deixa hematomas visíveis, mas marca profundamente a autoestima, a formação da identidade e a maneira como nos relacionamos no futuro”, explica Suassuna.
É possível reconstruir a relação com o pai?

Mesmo que algumas relações pareçam perdidas, é possível, sim, iniciar um processo de reaproximação entre pais e filhos. No entanto, a tarefa não é simples, como destaca Renata: “Romper esse ciclo exige coragem e disposição para se olhar. A conexão emocional é aprendida com escuta, vínculo e a reconstrução de um novo lugar para o pai: não como aquele que apenas sustenta, mas como aquele que dá suporte emocional também”.
O processo demanda tempo e paciência. É um caminho que se dá aos poucos e com cuidado. “Não se reconstrói em uma conversa o que foi desconstruído em décadas”, diz Danilo.
E, em alguns contextos, quando a aproximação não é viável ou sequer saudável, aceitar o distanciamento pode ser, quem sabe, um gesto de libertação. “Não é resignar-se ao sofrimento, mas escolher cuidar da dor em vez de insistir na ferida.”, declara o psicólogo.
E como as mães ficam nessa história?

Sobrecarregadas por manter o vínculo afetivo com os filhos sozinhas, elas, geralmente, são as primeiras a perceber a ausência emocional dos pais. Mas, às vezes, pode ser desafiador saber como abordar. “A tentativa de mudança no outro costuma fracassar quando parte da crítica, mas pode florescer quando vem do afeto.”, explica o diretor da Clínica Suassuna.
Aqui vão algumas dicas que podem ajudar:
- Evite chamá-lo de ausente, isso pode causar resistência à mudança;
- Convide-o a refletir: uma boa forma seria: “Percebi que o João estava querendo te mostrar algo hoje, você viu?”;
- Experimente elogiar os avanços, mesmo que pequenos;
- Incentive a participação conjunta em rodas de pais, oficinas ou terapia familiar;
- Em situações mais graves, buscar por apoio profissional pode ser o caminho mais assertivo.
“O que as crianças precisam é que estejamos com elas — inteiros, falhos e, principalmente, humanos.”, finaliza Suassuna.
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