Jeniffer Nascimento expõe racismo que viveu e ligação com Êta Mundo Melhor!

A continuação da novela das seis, “Êta Mundo Bom!”, já vem conquistando corações por todo o Brasil. Dita, que na primeira parte da trama era uma serviçal do sítio de Cunegundes (Elizabeth Savala), retorna em “Êta Mundo Melhor!” como protagonista — tanto da narrativa quanto da própria história.

Interpretada por Jeniffer Nascimento, a personagem luta por reconhecimento e valorização do seu trabalho em uma época em que mulheres negras não tinham voz. Em muitos momentos, as trajetórias de Dita e de sua intérprete se cruzam e até se repetem.

Em entrevista à CLAUDIA, Jeniffer falou sobre a emoção de receber o convite para o protagonismo, a experiência de revisitar a personagem dez anos depois e sobre como tem conciliado a primeira maternidade com as demandas da atuação.

Dita, interpretada por Jeniffer Nascimento, em Êta Mundo Melhor!.TV Globo/Divulgação

CLAUDIA: Como foi receber o convite para retornar à trama, agora no papel de protagonista? Quais sentimentos o momento despertou?

Jeniffer Nascimento: “Eu nunca tinha vivido nada parecido, no sentido de reviver uma personagem. Eu construí a Dita há dez anos, e quando me ligaram cogitando sobre o retorno da novela, eu prontamente disse que topava, pois achei muito legal fazer uma continuação de algo que foi um sucesso, ainda mais porque eu falo que foi minha primeira novela.

Na realidade, Malhação foi meu primeiro trabalho na TV, mas dizem que é a porta de entrada, uma oficina. Êta Mundo Bom! foi minha primeira novela com atores veteranos. Eu também fiquei muito feliz por ser a protagonista, um momento na carreira que sempre almejei e trabalhei muito para chegar. Ainda mais uma novela de Walcyr Carrasco (e Mauro Wilson), que sabem fazer novela das seis como ninguém.”

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CLAUDIA: Como foi reencontrar o elenco de ‘Êta Mundo Bom!’ e revisitar a Dita quase uma década depois? O que mudou na sua forma de dar vida à personagem?

Jeniffer Nascimento: “Eu fiquei me perguntando: ‘Será que ainda lembro da personagem? Será que ainda vou saber fazer?’. Mas, no primeiro dia de leitura dos roteiros, foi uma surpresa boa. Parecia que os personagens nunca tinham ido embora. A arte tem esse poder mágico mesmo, aprender um personagem é quase como andar de bicicleta: você não esquece. Fiquei ainda mais curiosa em imaginar como seria essa nova relação com o Candinho (Sérgio Guizé), já que, antes, o foco principal da personagem era lutar pelo romance com o Quincas (Miguel Rômulo).

Estou muito feliz em atuar com o Sérgio, ele é super parceiro, tem sido uma troca divertida. E, mais do que isso, é muito importante poder abordar questões como o apagamento das pessoas pretas nas narrativas. A Dita é um exemplo disso: aquela cena em que ela canta na coxia enquanto uma mulher branca dubla no palco, fingindo que a voz é dela. Sempre fomos retratados em lugares de subserviência — e trazer esse tema à tona é uma forma de reparação também. Interpretar a Dita agora é diferente porque, assim como a Jeniffer, ela já viveu muitas coisas e, por diversas vezes, teve que pagar um preço difícil por suas escolhas.”

Jeniffer Nascimento e Dita tem paralelos em suas narrativas
Atriz e cantora Jeniffer Nascimento assume protagonismo na novela das seis.Caio Oviedo/Divulgação

CLAUDIA: Na novela, a Dita encerra um ciclo do casamento e recomeça a vida em outra cidade com o filho — algo que, de certa forma, também aconteceu com você. Como tem sido essa experiência de viver em uma nova cidade com sua primeira filha, conciliando os desafios da maternidade com a responsabilidade de protagonizar uma novela? 

Jeniffer Nascimento: “Vim para o Rio de Janeiro para gravar a novela e trouxe minha filha Lara comigo, ela é muito nova (um ano e oito meses). Eu me sinto privilegiada, porque conto com a melhor rede de apoio possível. Meus pais vieram com a gente para ficar com ela, então eu não preciso me preocupar se ela está sendo bem cuidada enquanto trabalho, o que ajuda muito na minha entrega e comprometimento.

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Ainda assim, é muito desafiador. Eu queria estar presente em todas as ‘primeiras vezes’ e a Lara ainda não tinha começado a andar. Uma semana antes do início das gravações, ela andou e eu disse: ‘Pronto, filha, agora tô tranquila para trabalhar’. Moramos a dez minutos dos estúdios, então eu vou para casa, passo o dia com ela, e volto quando me ligam dizendo que vou gravar. Toda vez que eu saio, falo: ‘Filha, mamãe tá indo trabalhar porque ela precisa e porque ela gosta”. Ela vê eu me arrumando e fala: ‘Mamãe, trabaiá, mamãe?’. Ela já entende e me reconhece quando assiste a novela.”

CLAUDIA: Dita se recusa a ser explorada, mesmo diante da necessidade do trabalho. Esse posicionamento — especialmente vindo de uma mulher negra — tem muita força. Como você acredita que essa cena dialoga com os desafios enfrentados hoje, tanto no mercado artístico quanto fora dele? E como você enxerga a evolução da personagem?

Jeniffer Nascimento: “Chega a arrepiar. A cena em que Dita exige salário justo na novela é potente e simbólica. Ela estabelece paralelos diretos com a realidade vivida por mim e por tantas outras mulheres negras no mercado, num cenário em que os salários de pessoas brancas são infinitamente maiores.

Essa representação é mais relevante ainda quando pensamos que, por ser uma novela de época, estamos conversando com um público que viveu isso mas talvez não tenha essa noção. Certa vez, cobrei um valor por uma campanha publicitária, e o intermediador passou por cima do meu agente e veio falar diretamente comigo: ‘Vem cá, é você que tá cobrando esse valor ou seu agente? Porque tem outras mulheres no seu perfil pedindo bem menos’.

Na época, eu fiquei muito irritada. Além de questionar o meu valor, ele me comparou com outras mulheres pretas. A minha sorte foi ter contato direto com o contratante, e acabei sendo chamada pelo valor em que acreditava. A mesma coisa aconteceu com a Dita, quando recebeu a proposta de cantar na rádio todos os dias. Ao saber que não teria aumento salarial, ela recusou continuar nessas condições e foi dispensada. Mas, depois, com a ajuda de uma amiga, foi contratada novamente pelo valor que era justo.”

Jeniffer Nascimento é atriz, cantora, apresentadora e, agora, mãe de uma menina.
TV Globo lança continuação de Êta Mundo Bom!, dez anos após o sucesso da novela.Caio Oviedo/Divulgação
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CLAUDIA: Muitas vezes, novelas e filmes retratam personagens negros em contextos de pobreza, com poucas oportunidades reais de ascensão. Um exemplo marcante foi a personagem Raquel (Taís Araújo), em Vale Tudo, em que ela volta ao ponto de partida mesmo após ter conquistado a prosperidade financeira. Em Êta Mundo Melhor, Dita parece seguir um caminho diferente. Qual a importância de mostrar esse outro lugar possível para personagens negros?

Jeniffer Nascimento: “Existe uma complexidade — e não falo apenas das pessoas pretas, mas também daquelas que ascendem socialmente vindo de uma margem social — que é o fato de, muitas vezes, essas pessoas não terem instrução, seja acadêmica ou psicológica, para sustentar a estrutura que conquistaram. Há ainda outro fator: quem vem de baixo, geralmente, quer salvar todo mundo. À medida que você conquista espaços, começa a olhar em volta, para os seus, e pensa: ‘Não faz sentido só eu estar aqui em cima se todo mundo ainda está lá embaixo.’

Virou uma chavinha na minha cabeça quando narrei um audiobook de uma vereadora preta dos Estados Unidos, Stacey Abrams. Havia um capítulo que falava exatamente sobre mulheres pretas que ascenderam. A frase que mais me marcou foi: ‘Em caso de despressurização, coloque a máscara de oxigênio primeiro em você, depois no outro.’ É preciso percorrer esse caminho — que, por muito tempo, é solitário — para depois conseguir trazer os outros.

Em relação à novela Vale Tudo, acho muito triste — torço muito pela Raquel — que essa realidade ainda precise ser retratada, mas, infelizmente, ela existe. Ainda assim, espero e torço para que as narrativas mudem cada vez mais. Quero ver mulheres pretas protagonistas, riquíssimas como uma Odete Roitman, príncipes e princesas de Wakanda.

Que possamos mostrar essas histórias como algo normal. É isso que queremos dizer quando falamos de representatividade: é preciso reconstruir o imaginário. Hoje, vemos muitas protagonistas pretas, e ainda há quem se incomode, achando que é ‘demais’, porque não fomos ensinados a enxergar isso como normal.”

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CLAUDIA: Em Êta Mundo Bom!, Dita e Quincas enfrentaram muitos obstáculos para viver um relacionamento interracial, algo fortemente condenado na época. Agora, em Êta Mundo Melhor, ela vive um novo romance interracial, desta vez com Candinho. Décadas se passaram, mas o racismo ainda persiste. Para você, qual é a importância de trazer esse tema para a novela?

Jeniffer Nascimento: “É muito importante, porque tem a ver com o que estávamos falando sobre representatividade. Lembro da Dita com o Quincas e de como muita gente, gratuitamente, sem nem dar uma chance, já dizia: ‘Nossa, ela não combina com ele.’ Li comentários afirmando que ela não tinha o ‘perfil’ para ser par dele, e aquilo me fez pensar: ‘Mas o que seria esse perfil?’ Deu vontade de responder, sabe? Porque, enfim, esse tipo de questionamento sempre aparece quando se trata de uma mulher preta nesse lugar.”

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