Quando um balão despencou do céu em Praia Grande (SC), em 21 de junho, e deixou oito pessoas mortas, um vídeo do acidente com o som de mulheres chorando viralizou. O foco de muitos comentários não era a tragédia, as vítimas ou esse tipo de prática, mas os gritos de fundo.
“Mulher começa a gritar como se fosse resolver alguma coisa”, dizia uma das publicações “menos ofensivas” no Twitter. E, se ficou na dúvida, elas foram xingadas por demonstrar seus sentimentos diante de uma tragédia. Poderia ser um daqueles fenômenos exclusivos das redes sociais, que não existem fora delas, mas essa dinâmica é mais complexa.
Por que as mulheres são consideradas histéricas diante de tragédias
Há uma ideia de que as mulheres são sensíveis demais. Mas, como explica o neurocientista português António Damásio, “somos seres emocionais que desenvolveram a capacidade de pensar, e não o contrário”. Ou seja, as emoções são parte da condição humana ‒ para todos, não apenas para as mulheres.
O problema começa quando o sofrimento feminino é frequentemente interpretado como histeria ou exagero. “Fomos socializados a acreditar que emoção, quando vem de uma mulher, é sinônimo de descontrole. A palavra ‘histeria’ vem do grego hystéra (útero), como se o simples fato de termos um corpo feminino nos tornasse descompensadas por natureza”, aponta Mayra Cardozo, terapeuta e advogada com perspectiva de gênero.
Homens e mulheres são ensinados a demonstrar emoções de formas diferentes
O que leva muitas mulheres a verbalizarem mais seus sentimentos está diretamente ligado ao modo como foram criadas, e essa mesma lógica também impacta os homens.
“Desde pequenos, meninos aprendem que chorar não é coisa de homem. Adultos do sexo masculino tendem a somatizar emoções ou expressar a dor através da raiva ou do silêncio, enquanto muitas mulheres desenvolvem mais repertório emocional para verbalizar o sofrimento. Isso não significa que sintam menos, significa que foram ensinados a calar mais”, explica Larissa Fonesa, doutoranda pela Unifest em ansiedade, depressão, sono e sexualidade feminina.
É essencial compreender que não existe uma “maneira natural” de sentir baseada em gênero. “Homens e mulheres expressam suas emoções de formas diferentes não por causa da biologia, mas por construção social. A natureza não fez com que o homem tivesse que expressar as emoções de um jeito e a mulher de outro. É a sociedade que dita como o homem deve se expressar, como ele deve pensar, sentir e agir, e faz o mesmo com a mulher”, afirma Rafaela Schiavo, psicóloga perinatal e da parentalidade.
É natural ter (e expressar) emoções diante de uma tragédia
Aliás, sentir algo após um acidente, mesmo que não envolva você ou pessoas que você conhece, é normal. “Diante de tragédias, as pessoas não necessariamente vão desenvolver um transtorno mental, mas terão um abalo psicológico. Se a pessoa não tem histórico de problemas de saúde mental, ela tende a passar por um momento de muita ansiedade ou estresse durante a tragédia”, comenta Rafaela.
A invalidação do sofrimento, por outro lado, tem graves consequências. “Quando uma pessoa escuta repetidamente que está ‘exagerando’ ou sendo ‘dramática’, ela começa a duvidar da própria dor. Isso mina a autoestima, a confiança interna e pode gerar sentimentos como culpa e vergonha”, pontua Brunna Dolgosky, psicóloga, hipnoterapeuta e especialista em arteterapia.
Esse processo pode se intensificar. “Ao se questionar se está exagerando, o sujeito pode perder o contato com a própria sensibilidade. Essa experiência constante de deslegitimação pode gerar sintomas como insônia, ansiedade, crises de choro, dificuldade de confiar e até isolamento”, comenta Larissa.
Uma reação emocional saudável, vale dizer, não está no fato de não chorar diante da tragédia. Na verdade, é uma questão muito mais individual do que um modelo pronto sobre como agir em cada momento. “Uma reação saudável é aquela que respeita a individualidade e o tempo de cada pessoa. Não existe um ‘jeito certo’ de sentir. O importante é permitir-se viver as emoções que surgem, como tristeza, medo, raiva ou até confusão. Essas reações são naturais diante de eventos traumáticos”, finaliza Brunna.
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