Talvez só quem já tenha passado perrengue com boleto poderia reconhecer conselhos financeiramente ignoráveis. Outras vezes, é só o ranço mesmo de ouvir, incontáveis vezes, alertas inócuos. Parecem importantes e até chiques, mas na prática não ajudam em nada, são descolados da realidade individual. É como aquela dica “você precisa investir em você” dito por alguém que nunca precisou escolher entre pagar uma conta ou… pagar outra conta. 

Conselhos soam como cobranças disfarçadas

Leio e escuto conselhos como esse o tempo inteiro, de colegas a influenciadoras. “Faça uma reserva de emergência”, “invista o seu dinheiro”, “não dependa de ninguém”, “monetize o seu talento”, “você precisa ter múltiplas fontes de renda”. As frases têm a energia de um mantra moderno, aparecem na minha mente até quando estou no meu tapetinho de yoga tentando me livrar de pensamentos sugestionáveis. Circulam pelas redes sociais com fonte elegante e fundo pastel, como se fossem lembretes amorosos. 

Todos os alertas até são verdadeiros, mas, em certos dias, soam como cobranças disfarçadas. Em vez de solução, trazem culpa. Os avisos se tornam cruéis quando ignoram a realidade de muitas das brasileiras: jornada tripla, salários achatados, informalidade, culpa materna, falta de tempo, medo da escassez, baixa autoestima. Convenhamos, nem toda mulher tem o luxo de pensar numa reserva. Algumas ainda estão tentando respirar.  

Mesmo quem consegue respirar sem a ajuda de aparelhos pode ter uma pré-síncope ao escutar: “Você precisa de uma planilha para identificar que o dinheiro gasto com lanche poderia servir para quitar um financiamento”. Claro! Só falta mesmo tempo, paciência e paz de espírito para preencher 42 colunas coloridas às 23h, depois de dar banho na criança, deixar a pia limpa e responder e-mails do chefe e do cliente. 

Contém ironia e sigo com ela: “É só parar de tomar café na rua”. Ah, sim! Porque o rombo nas contas é causado exclusivamente por um cappuccino de R$ 15,00. Quem precisa de políticas públicas, equiparação salarial e creche quando se tem café coado em casa, não é mesmo?

 “A independência financeira virou uma espécie de ideal inalcançável, vendida como solução universal para os nossos medos. A verdade é que o sistema financeiro foi desenhado por e para homens”

Paola Carvalho

Independência financeira tornou-se ideal inatingível

A independência financeira virou uma espécie de ideal inalcançável, vendida como solução universal para os nossos medos. A verdade é que o sistema financeiro foi desenhado por e para homens. Está cheio de jargões, barreiras simbólicas e práticas que nos afastam. E a gente entra atrasada nesse jogo, sem manual, carregando as marcas de séculos de exclusão econômica. Não é à toa que tantas de nós se sentem perdidas ou inseguras ao falar de dinheiro.

Revolução silenciosa em andamento

Mas a boa notícia é que não estamos sós. Há uma revolução silenciosa acontecendo: mulheres se reunindo para estudar finanças, renegociar dívidas, criar negócios, compartilhar planilhas, trocar conselhos. Há força em cada grupo online que ensina como sair do vermelho, em cada curso gratuito que ensina a investir R$ 50 ou R$ 5 mil por mês. 

Autonomia financeira, afinal, não nasce em planilhas. Ela se costura aos poucos, do nosso jeito, na entrelinha de cada escolha difícil. É processo, construção, espiral. Começa devagar, às vezes no cuidado em não parcelar aquela compra impulsiva que o algoritmo empurrou no fim do dia; em dizer “não” para um pedido do irmão para ser avalista, mesmo que isso custe algumas noites mal dormidas; em fazer um curso sobre organização e investimentos financeiros. 

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