Squid Game, traduzida por aqui como Round 6, sempre foi uma sátira social que usou seus personagens para indagar ao público: “você ainda acredita na humanidade?”
Uma das cenas finais da primeira temporada representa isso de forma emblemática. Oh Il-nam (interpretado por Oh Yeong-su), o idoso que foi companheiro de jogo do protagonista Seong Gi-hun (Lee Jung-jae) no primeiro ano e se revela como fundador do game, pergunta se o ex-endividado ainda acreditava nas pessoas depois de ver tudo que elas foram capazes de fazer no jogo.
Acamado dentro de um suntuoso prédio todo envidraçado, o idoso bilionário olha de cima para a rua e afirma duvidar que um indivíduo em situação de rua receba ajuda. Ele defende que as pessoas são naturalmente más e só ligam para si mesmas. Para alívio de Gi-hun, o indivíduo em questão é ajudado, mas Il-nam morre antes de ver que existem, sim, algumas pessoas decentes no mundo.
A crítica social de Round 6 nunca foi tão atual
Em tempos em que bets e “tigrinhos” dominam a população brasileira mais vulnerável, nunca foi tão fácil se conectar com o universo da série, que oferece uma oportunidade de salvação para endividados, falidos e pessoas que não veem mais outra maneira de vencer em uma sociedade baseada na exploração.
Apesar de escolherem estar lá, as pessoas são vítimas, pois suas vidas são absolutamente descartáveis. Os “vilões”, chamados de VIPs, usam máscaras de ouro e riem da desgraça dos jogadores como se fossem simples peões de xadrez.
Vencer não significa redenção
Mesmo o protagonista tendo vencido o jogo, esse nunca foi um “sim” para a pergunta que rege a história. O personagem, bobo, ingênuo e de coração puro no início, foi sobrevivendo por sorte, mas os jogadores espertos (e até gananciosos) nunca foram vistos como 100% errados.
Ora, em uma competição de vida ou morte (e pelo prêmio de 45,6 bilhões de wons), o que você faria? Tentaria de tudo por sua vida (até ludibriar colegas) ou manteria seus valores de moralidade?
Segunda temporada entrega profundidade e emoção
O final aberto da primeira temporada já indicava que a história não havia acabado ali — mas séries coreanas (sim, Round 6 é um k-drama, apesar de não ser focado em romance) costumam não ter continuações. Após 600 milhões de visualizações e o sucesso avassalador na Netflix, a volta ao universo era inevitável — e justificava-se para além do lucro.
Gi-hun irá conseguir se vingar do jogo? O policial Jun-ho (Wi Ha-joon), que descobriu que o Frontman (Lee Byung-hun) era o irmão que ele tanto buscava, está vivo? Por que o próprio Frontman acabou desempenhando essa função? Afinal, é possível ou não ter fé na humanidade?
Infelizmente, o foco da terceira temporada não é responder a nada disso: é apenas repetir a fórmula e mostrar um show de brutalidade quase vazia.
O acerto na segunda temporada e o derrape na terceira (contém spoilers!)
A segunda temporada de Round 6 é tão boa quanto a primeira. Gi-hun não é um herói tradicional, mas tem um propósito nobre e uma convicção inabalável: quer salvar as pessoas enganadas e destruir o jogo.
Muita gente critica o primeiro episódio do segundo ano, mas, para mim, é o melhor da série inteira. O sadismo do personagem Recrutador casa perfeitamente com o carisma do grande ator Gong Yoo, tornando cenas como a do “pão ou loteria?” memoráveis.
Além disso, os personagens novos são complexos, têm um desenvolvimento interessante e acrescentam ainda mais profundidade à história. De idosas a uma mulher grávida, passando por gangsters, rappers e até um influenciador fracassado de criptomoedas, todo mundo tem relevância e um porquê de estar ali.
Nova temporada entrega bons jogos, mas falha nos arcos
Os jogos novos também são empolgantes e te deixam com o coração na mão. E até o fato de Gi-hun confiar de novo no mandante do game é super factível — afinal, o Frontman também desenvolveu questões pessoais após a volta do irmão e por experienciar novamente as emoções de participar daqueles jogos mortais.
O final da segunda parte, com uma rebelião digna de revolução, também é um acerto. Apesar das baixas de personagens muito queridos, tudo fazia sentido. Mas, após aquela derrota, o que esperar da conclusão na terceira e última temporada?
Terceira temporada desaponta: repetições, clichês e pouco impacto
Infelizmente, mesmo o diretor Hwang Dong-hyuk dizendo que o arremate final está além das expectativas, ele se prende à fórmula e não evolui os personagens. A velha história de que o capitalismo sempre vence prevalece, e o que vemos no final é quase um repeteco da conclusão da primeira temporada.
A começar por Gi-hun, que mal aparece nos dois primeiros episódios e, quando resolve agir, desconta em quem, na verdade, não teve culpa. Tudo que acontece fica no campo do óbvio: a mulher foda que ia conseguir escapar, mas resolve ajudar e se lasca; o bonito que se comove e tenta ser bom, mas só pensa em dinheiro; o sádico drogado que vai morrer buscando sua pílula mágica… Você consegue prever cena a cena.
Arcos desperdiçados e personagens que não saem do lugar
É frustrante ver que nada que desenvolva a luta inicial de Gi-hun acontece. A temporada se resume a mostrar o resto do jogo seguindo normalmente. Além disso, o policial Jun-ho demora demais para avançar, e o arco de No-eul, a desertora da Coreia do Norte que acaba virando uma mascarada armada, fica totalmente isolado, tendo quase nenhuma relevância para a história.
O final de Geum-ja (Kang Ae-shim) e Yong-sik (Yang Dong-geun), a senhora idosa e o filho endividado que acabam entrando juntos no jogo, é um dos mais tocantes e verdadeiros. Geum-ja, acima de tudo, é uma mulher de princípios, que faz até o impensável para salvar uma jovem e seu bebê recém-nascido em meio ao caos.
Os novos VIPs e a sensação de déjà vu
Os VIPs desta temporada conseguem ser mais insuportáveis que os da primeira, porque, no lugar de homens brancos (nojentos) de meia-idade, eles são jovens herdeiros mimados, caricatos, que parecem bonecos fanfarrões de tão falsos. Eles não conseguem proferir uma frase fora do previsível. As cenas deles são sofríveis.
O último episódio guarda as melhores cenas. O final de Gi-hun é digno, e ele declama sua frase de efeito com um easter egg direto a quem ele era antes de entrar no jogo. Mesmo assim, consegue interferir em absolutamente nada na continuidade do game — o que é uma pena.
Quando a crítica social vira entretenimento vazio
Importante pontuar que tanto a cena em Los Angeles quanto o final do policial não têm um peso real. Ninguém ali precisava de dinheiro, e nada vai recuperar tudo que eles perderam e sofreram.
Diversas obras audiovisuais têm como objetivo mostrar a realidade dolorosa que vivemos, com finais que não são nada felizes. Mesmo Round 6 sendo uma sátira ao mundo real, eu esperava esperança na conclusão.
Posso estar sendo ingênua, mas, em uma humanidade que vê genocídios e guerras acontecendo na nossa cara, uma pontinha de otimismo em uma das séries mais vistas do globo seria bem-vinda.
A aparição da nova recrutadora (com uma atriz queridinha mundialmente) sinaliza que o jogo vai continuar por outros continentes — e que a luta de Gi-hun foi em vão. Pessoas vulneráveis do mundo inteiro continuarão a ser usadas apenas como cavalos.
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