A rejeição do prazer

Assistir à série Disclaimer, dirigida por Alfonso Cuarón e estrelada por Cate Blanchett, é uma experiência que deixa marcas em qualquer uma.

O enredo da protagonista Catherine reflete a realidade de tantas mulheres que enfrentam julgamentos cruéis e silenciamentos sistemáticos em um mundo que raramente busca ouvir todos os lados.

É uma história que expõe a violência simbólica de criar narrativas a partir de fragmentos, ignorando a complexidade e as nuances da verdade e da vida. 

Na trama, Catherine é mal interpretada a partir de uma combinação de fotos e um livro que expõem seu passado. As pessoas ao seu redor — inclusive seu marido — escolhem acreditar na versão mais conveniente e simplista: a de que ela cometeu uma traição. Ninguém a ouve.

Sua voz é brutalmente silenciada. E quando finalmente a verdade vem à tona, revelando que ela foi vítima de uma violência, e não autora de uma traição, a crueldade dessa narrativa se torna ainda mais evidente. 

Seu marido, ao descobrir a verdade, sente alívio, mas não por empatia. Ele está mais confortável com a ideia de que Catherine sofreu uma violência brutal do que com a possibilidade de ela ter exercido seu direito ao prazer.

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Cate Blanchett como Catherine em DisclaimerApple TV+/Reprodução

Esse alívio, tão cruel quanto revelador, expõe algo maior: como a sociedade prefere mulheres que cabem no papel de vítimas dos algozes da moral masculina. Mulheres que sofrem são aceitas. Mulheres que desejam, que vivem fora das expectativas alheias, são julgadas, silenciadas e excluídas de suas casas e da sociedade geral.

Esse silenciamento, infelizmente, não é ficção. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 140 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e intrafamiliar em 2022. Dessas, 12 mil sofreram algum tipo de abuso sexual.

Os dados, porém, podem estar aquém da realidade, já que depois dos episódios de violência, oito em cada 10 mulheres vítimas afirmaram não ter procurado nenhuma forma de atendimento, como a polícia ou um serviço de saúde, de acordo com dados do Instituto Patrícia Galvão.

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Medo, vergonha, sensação de culpa e receio em ser desacreditada são apontados como barreiras para que essas vítimas busquem ajuda.

Quantas vezes vemos uma mulher ser condenada socialmente com base em pedaços de informação? Quantas vezes escolhemos acreditar em uma versão mais confortável, em vez de buscar as sutilezas de todos os lados? A escolha de ignorar o todo pode destruir vidas e arruinar reputações.

Há uma responsabilidade imensa em como escolhemos acreditar, julgar e agir diante das histórias alheias.

A sociedade parece relutante em aceitar mulheres como seres completos, com suas contradições, desejos e dores. O prazer feminino, especialmente, é transformado em tabu, enquanto o sofrimento é validado e até romantizado.

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O seriado disponível no AppleTV+ expõe isso com clareza: Catherine não perdoa seu marido porque percebe que ele escolheu o que era mais fácil para ele. Ele não a ouviu. Ele escolheu o julgamento. E, para muitas mulheres, essa realidade é familiar demais.

Mas há um poder em resistir a essas narrativas. Há força em encontrar a própria voz e reescrever a própria trajetória, mesmo quando o mundo se recusa a ouvir. O que Disclaimer nos ensina é que respeitar a complexidade de uma história é um ato de justiça.

E talvez a maior resistência seja não apenas sobreviver ao julgamento, mas se levantar com coragem e dizer: minha história merece ser ouvida. E será, quer queiram, quer não.

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