Roman Krznaric reflete sobre a esperança radical como combustível para mudar o mundo

Sem esperança, onde podemos chegar? Para o filósofo e doutor em sociologia política Roman Krznaric, nada longe. Nascido na Austrália e formado pelas universidades de Oxford, Londres e Essex, o cofundador da The School of Life esteve no Brasil no fim do ano passado para lançar História Para o Amanhã (Editora Difel, R$ 89,90).

De forma fascinante, exemplos dos últimos mil anos são resgatados como meio de liberar a nossa capacidade de imaginar  alternativas aos desafios atuais.

“É um livro sobre o poder de pensar historicamente. Fazer isso é um antídoto para a tirania do agora e contesta as narrativas comuns de progresso que olha para tecnologias futuras em busca de salvação”, escreve. Se buscamos inovação, talvez a ideia mais disruptiva seja sonhar junto um futuro de cooperação e solidariedade

Na primeira vez que conversamos, em 2020, você disse uma frase que nunca saiu da minha cabeça: “Minha felicidade está conectada à felicidade da próxima geração”. O quão feliz você está hoje?

Depende das coisas às quais decido me expor. Há alguns meses, assisti um TED Talk do cientista Johan Rockström sobre os últimos dados relacionados aos limites planetários, como emissões de carbono, perda de biodiversidade, acidificação dos oceanos.  O que ele mostrou foi que tudo está muito pior do que poderíamos imaginar. Normalmente, eu enviaria algo assim para meus filhos — eles têm 16 anos —, mas achei tão chocante que não consegui.

Isso me fez refletir profundamente sobre o futuro do planeta e das próximas gerações. Estamos numa era de turbulência — mudança climática, inteligência artificial, desigualdades crescentes, migração, ameaças à democracia. A questão é: como nos movemos em direção a um maior senso de estabilidade, onde possamos viver nossas vidas, nos apaixonar, criar filhos, ou seguir nossa criatividade? 

Há um noção de urgência, de que precisamos agir rapidamente. Mas como fazer isso, estando tão  autocentrados? A maneira como agimos coletivamente precisa fomentar conexão e comunidade. Recentemente, fui a um protesto organizado pelo Extinction Rebellion, no Reino Unido, junto com minha filha.

O tema era sobre como melhorar a democracia para enfrentar a crise climática. Nos reunimos perto do Castelo de Windsor. Sentamos em grupos de seis pessoas, recebemos cartões com informações sobre democracia, o modelo que temos hoje, o da Grécia antiga etc e discutimos possíveis reformas. Foi uma ação radical, mas também bonita. Saímos de lá nos sentindo bem, parte de algo maior. Esse é o ponto: a ação coletiva precisa fazer as pessoas se sentirem bem.

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“O “nós” pode prevalecer sobre o “eu”, eis o fundamento essencial que precisamos para a sobrevivência e prosperidade da nossa espécie”, diz Roman KrznaricReprodução/Reprodução

No livro História Para o Amanhã, você menciona dez principais desafios que enfrentamos como sociedade. Como escolheu os critérios para definir os mais importantes? Para começar a escrever um livro como esse, comecei pelo presente: quais são os grandes riscos enfrentados pela humanidade neste século?

Li muito sobre o colapso de civilizações e riscos globais. Depois, procurei na história exemplos positivos de quando agimos coletivamente para criar mudanças. Descobri muito mais exemplos do que imaginava.

Pode falar mais sobre a conexão entre imaginação e história?

A história mostra que não precisamos ser como somos hoje. Exemplos como o Japão do período Edo, que tinha uma economia de desperdício zero, ou a democracia participativa em outras épocas, expandem nossa imaginação sobre o que é possível. Isso se aplica tanto às sociedades quanto às nossas vidas pessoais. Encontrar caminhos diferentes é possível.

Concordo, mas com o tempo parece que é mais difícil mudar a opinião que temos sobre nós mesmos. Seus filhos são mais abertos a imaginar coisas diferentes?

Eles têm uma visão surpreendentemente esperançosa do mundo, mesmo estando expostos a muitas tragédias por causa do trabalho que seus pais fazem. Tenho aprendido muito com eles. Meu filho, por exemplo, me levou a refletir sobre ideias budistas de “inter-ser”. Não apenas entre mim e você, mas entre mim e gerações futuras, ou entre mim e as árvores. Como cultivamos isso?  Recentemente, ouvi outra ideia interessante: “inter-tornar-se”. É como “inter-ser”, mas em processo, uma ação em andamento. 

Você menciona cinco razões para termos esperança de forma radical. Alguma delas é sua favorita?

Acho que sou particularmente apegado a  ideia de que o “nós” pode prevalecer sobre o “eu”. É uma das coisas mais importantes: conseguirmos nos conectar além do ego, além de nós mesmos, de alguma forma, parece ser o fundamento essencial que precisamos para a sobrevivência e a prosperidade da nossa espécie. E isso está relacionado com a tal ideia de “ser”, que se transforma em “tornar-se”.

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Lendo o livro, conseguimos nos conectar intelectualmente com os conceitos. Quando te ouvimos, é mais fácil sentir o que está explicando. Foi por isso que você veio ao Brasil? Precisamos nos conectar fisicamente?

As pessoas não precisam estar comigo, com certeza, mas acho que precisam estar umas com as outras. Sempre acreditei no poder da conversa, especialmente conversas com estranhos —particularmente num mundo tão polarizado. Li uma pesquisa outro dia dizendo que o Brasil é um dos cinco países mais polarizados do mundo, e acho que é um projeto muito importante superar essas polarizações que são, em parte, criadas pela cultura digital e mudanças políticas, entre outras coisas.

Recentemente, conheci um projeto de conversa digital interessante na Alemanha chamado “Deutschland spricht”, ou “Alemanha Fala”. Eles fazem o seguinte: qualquer pessoa pode preencher um formulário online com suas visões políticas, como uma pesquisa bem simples. Então, eles te conectam com alguém que tem opiniões opostas às suas para um bate-papo online.

Assim, milhares de pessoas, às três da tarde de uma sexta-feira, entram em uma plataforma muito básica e têm uma troca de ideias muito aberta com alguém desconhecido.

Um estudo recente de Harvard mostrou que 90% das pessoas conversam por mais de uma hora, e 30% delas falam por mais de duas horas. Isso reduz a polarização em 78%. Mais de 100 mil pessoas já participaram. E eu amo isso.

Sempre fui meio cético em relação às possibilidades digitais para conversas, então gosto de exemplos como esse, onde as pessoas estão fazendo isso em grande escala. É claro que o presencial é melhor, mas, se conseguirmos encontrar uma maneira de fazer isso online também, precisamos das duas coisas para ouvir de verdade o que outras pessoas estão dizendo, pensando, sentindo, temendo e no que elas têm esperança.

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“A história mostra que não precisamos ser como somos hoje. Encontrar caminhos diferentes é possível”, afirma Roman KrznaricReprodução/Reprodução

Precisamos também dos livros.

Escrever um livro é apenas uma forma de comunicar ideias. Ao longo dos anos, aprendi que um livro atinge apenas alguns tipos de pessoas. Mas você também precisa de pessoas criando cartuns, obras de arte, fazendo jornalismo, escrevendo peças, poesias e promovendo conversas — tudo isso com um propósito. O propósito que tenho é entrar nesse espaço em forma de “donut”.

É o modelo de economia da minha esposa [a economista Kate Raworth]. Ela escreveu um livro sobre isso [Economia Donut: Uma Alternativa Ao Crescimento A Qualquer Custo. Editora Zahar, R$ 89,89].

Trata-se de trazer todos acima de uma fundação social básica — tirá-los do buraco no meio do formato de “donut” — em termos de acesso à água, saúde, educação, mas sem ultrapassar o teto ecológico, afetando o clima ou a perda de biodiversidade.

Precisamos estar nesse espaço no meio. Então, o que quer que eu esteja fazendo, seja protestando nas ruas, escrevendo um livro, fazendo o jantar para meus filhos ou decidindo para onde viajar nas férias, penso: como posso permanecer nesse espaço? 

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Não basta falar, precisamos viver assim, certo?

Eu, como indivíduo, ou na minha família, ainda estou nessa jornada para viver dentro desse espaço em forma de “donut”. Não temos mais carro. Sou vegetariano, mas não vegano. Minha esposa é vegana. Nossos filhos são vegetarianos por escolha própria. É para onde nossas sociedades precisam ir. 

Como caminhar nessa direção?

No livro, falo sobre um historiador islâmico do século XIV, Ibn Khaldun, e seu conceito de asabiyya, uma palavra árabe que significa solidariedade coletiva ou sentimento de grupo. Ele acreditava que isso era vital para o surgimento das civilizações, e que, se essa solidariedade coletiva fosse quebrada — por exemplo, por uma grande desigualdade de riqueza —, uma civilização colapsaria. E eu concordo. Se vamos sobreviver a esses tempos, precisamos dessa solidariedade. Não apenas com os seres humanos, mas também com o mundo vivo. Necessitamos sentir isso.

Livro
Livro “História Para o Amanhã”, do escritor e filósofo Roman KrznaricReprodução/Reprodução

 

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