Chega dezembro e com ele a perspectiva de algum tempo de ócio para poder colocar a leitura em dia. Por isso, CLAUDIA elaborou uma curadoria com as nossas publicações favoritas de 2024 para servir como um pequeno guia de livros para o verão.
Nacionais ou estrangeiras, são obras escritas sobretudo por mulheres, com uma única — e justificada — exceção. Boa leitura!
Os 10 melhores livros de 2024
Condições ideais de navegação para iniciantes, de Natalia Borges Polesso
A escritora se consolida como um dos nomes incontornáveis da literatura latino-americana com seu novo livro. Nos contos, personagens LGBTQIA+ navegam metaforicamente pelas águas da vida. “O mar nem sempre é literal, está ali como sonho, fluxo.
As tais condições ideais não existem, a questão é seguir tateando. Nos contos, as personagens abrem mão da precisão de navegar e de viver e vão se descobrindo”, explica a autora. Vencedora de dois prêmios Jabuti, Polesso cria atmosferas oníricas em contos como Cratera.
O efeito é de um deslumbramento diante da contemplação da natureza e suas formações. “O conto é um formato de texto em que se pode experimentar em poucas páginas. No texto seguinte, tudo muda. Considero um gênero muito difícil, porque o resultado é imediato”, diz.
A árvore mais sozinha do mundo, de Mariana Salomão Carrara

Dona de uma voz particular, a paulistana explora as inúmeras possibilidades da linguagem em seu novo romance. O livro conta a história de uma família de agricultores pobres que enfrenta a indústria do tabaco.
Carrara se inspirou em vivências reais de produtores do Rio Grande do Sul, afetados pelo preço da folha de fumo, e a contaminação por agrotóxicos e nicotina. Mas não espere encontrar um documento.
A escritora adota quatro diferentes narradores não-humanos para contar essa saga: uma árvore, um espelho português, um traje de proteção para aplicar veneno e uma caminhonete velha.
“O mais difícil foi forjar uma relação de cada um deles com os personagens humanos. Que cada um tivesse uma forma distinta de entender aquela família, a partir não apenas do território — lavoura, sala ou estrada —, mas também da cosmovisão — por exemplo, o espelho que se sente superior a todos ali por ter vindo da Europa”, explica Mariana.
A mulher de dois esqueletos, de Julia Dantas

O intrigante nome do livro é uma pista sobre a trama. “A ideia surgiu do fato biológico de que uma mulher grávida possui mais de um esqueleto. Mas obviamente os esqueletos funcionam como metáfora: podem ser a vida real e a ficção que sustentam essa mulher”, explica a autora.
O romance tem uma narração deliciosa, em primeira pessoa, de uma escritora que equilibra sua escrita, seu relacionamento, os cuidados com o cachorro e as dúvidas sobre ser mãe.
A protagonista poderia ser uma de nós: “O medo da respeitabilidade. De que nunca mais ninguém vai querer flertar com você. De que nunca mais um homem vai te dizer obscenidades”, reflete a narradora sobre os medos da maternidade. O livro levanta a necessária bandeira feminista. “Questionar a maternidade já é feminista. Qualquer livro que mostre a vida de uma mulher desejante é feminista”, diz.
Distância de resgate, de Samanta Schweblin

Uma história para quem quer sentir medo no conforto do sofá. Muitos temas contemporâneos como o antropoceno e, claro, a maternidade, compõem o romance da argentina, célebre pelos contos estranhos de Pássaros na Boca, de 2022.
Schweblin conta a história de uma mãe e sua filha, moradoras de Buenos Aires, que decidem passar os dias de folga em meio aos pampas argentinos. O que encontram lá, porém, são plantações dependentes de agrotóxicos. Fatos assustadores começam a ocorrer no povoado, onde a medicina pouco consegue agir, abrindo espaço para curandeiras.
David, um garotinho, carrega boa porção de tudo aquilo que assusta na trama, capaz de tirar o fôlego. Vale a leitura.
Terra Prometida, de Joan Lowell

A porção necessária de aventura, digna de uma exploradora, está garantida na lista com o livro da atriz do Hollywood Joan Lowell. Escrito originalmente em 1952, conta a história verdadeira — com exageros — da estrela de cinema que decide migrar para o Brasil na década de 1930 para desbravar a região do nosso Centro-Oeste.
Lowell se instala em Anápolis (GO). Excelente narradora, ela convenceu outros artistas a virem ao Brasil. Parte da graça na leitura está em perceber que a atriz não é uma narradora confiável.
Ler Terra Prometida é delicioso e tem sabor de “me engana que eu gosto”. A edição caprichada conta com textos complementares, fotos e recortes de jornais. Parece mentira, mas é verdade: a atriz acabou presa no Brasil. O crime? Estelionato. Vigarista de primeira, elaborou fraudes com vendas de terrenos imaginários.
Bruxas, de Brenda Lozano

Um livro que fala dos povos originários de um México que também é muito urbano. O romance traz uma relação entre irmãs, a investigação jornalística de um crime de feminicídio, além de uma bruxa-curandeira.
A linguagem é praticamente uma personagem própria, dando poder às palavras e ao conhecimento ancestral. O livro fala ainda sobre os muxes, termo que povos zapotecas de Oaxaca usam para designar pessoas não-binárias, algo como um terceiro gênero.
Assim, Lozano consegue tratar de um tema muito contemporâneo, mas recorrendo a uma tradição indígena. “Paloma nasceu homem, Paloma nasceu Gaspar. (…) Depois quando já era muxe, Paloma me disse Feliciana, minha vida, por que eu sei que sou muxe desde pequeno?”, escreve a mexicana.
A segunda vinda de Hilda Bustamante, de Salomé Esper

Natural de Jujuy, no norte da Argentina, a autora criou uma cidadezinha que poderia ser muitas da América Latina, repleta de realismo mágico. Com ares de O Auto da Compadecida, este aqui conta a história de Hilda, uma mulher comum que morre e volta à vida.
Os dias que decorrem após ressuscitar são repletos de afeto para recuperar o tempo perdido ao lado de amigas, o viúvo, uma vizinha e a filha dela, que acaba sendo uma neta adotiva.
“Naquela manhã, Hilda e suas plantas por fim se reencontraram. Hilda e seus tecidos. Hilda e sua casa. Até aquele momento, não conseguira sair do invólucro do abraço, do transbordamento do absurdo e da exigência de que fosse ela a explicar tudo, como se pudesse fazê-lo.”
Esper é capaz de arrancar sorrisos e brotar lágrimas nos leitores. Para ler com uma caixa de lencinhos ao lado.
Trilogia dos gêmeos, de Ágota Kristof

Eis uma indicação para quem gosta de sagas. A Trilogia dos Gêmeos é composta pelos romances O Grande Caderno, A Prova e A Terceira Mentira. O conjunto é considerado a obra-prima de Ágota Kristóf (1935-2011), nascida na Hungria e uma das escritoras mais relevantes da Europa.
Os livros contam a história de irmãos gêmeos entregues pela mãe à avó para que sobrevivam à guerra. Eles passam por experimentos para que possam se fortalecer durante a dureza do combate.
“A avó nunca se lava. Ela limpa a boca com o canto do lenço quando termina de comer ou de beber. Ela não usa roupa íntima. Quando precisa urinar, ela para onde está, afasta as pernas e mija no chão, com saia e tudo. Obviamente, ela não faz isso dentro de casa”, contam os irmãos. O primeiro livro é narrado por um “nós”, na primeira pessoa do plural, sem distinção entre os meninos.
Kristóf brinca com as possibilidades narrativas e explora outras formas nos livros seguintes.
De quatro, de Miranda July

Este livro, da multiartista americana Miranda July, pode ser entendido como uma obra sobre um marco incontornável do sexo feminino ainda pouco explorado na literatura: a menopausa.
A protagonista é uma artista famosa de quarenta e tantos anos, casada e com filhos, que de repente se vê com sintomas confusos e uma inesperada libido (sexual e de vida). Assim, resolve atravessar sozinha os EUA de carro.
Na realidade, porém, acaba se hospedando por semanas em um motel de beira de estrada a trinta minutos de casa. Lá, vive uma paixão repentina (e platônica) por um balconista e dançarino amador, muitos anos mais jovem que ela.
Cheio de cenas esquisitas, tão características de July, De Quatro, na verdade, discorre sobre outro assunto universal feminino: o desejo de liberdade, de aventura e (por que não?) de sumir de vez em quando.
Vera, de José Falero

O único homem da lista, Falero escreve justamente sobre o tema que atravessa todas nós: o machismo estrutural e a opressão que os próprios homens cometem.
“Foi difícil escrever, porque cada linha me lançava em uma crise. Acho que muitos homens têm consciência do seu lugar de opressor, mas escrevendo esse livro eu me percebi pior do que pensava”, diz Falero.
O romance tem ares de cinema, com transição de cenas visuais, como quando a personagem Lúcia está picando tomates para colocar no arroz. O leitor visualiza o tomate, mas subitamente agora acompanha Vera, a protagonista, que está picando tomates para o risoto dos patrões.
Vera é uma doméstica que enfrenta diferentes tipos de assédio. A história alterna a periferia e espaços da classe média alta, e é recheado de mulheres fortes. “São mulheres negras, periféricas, as menos beneficiadas pelos avanços feministas das últimas décadas. Apesar disso, deram um jeito de criar os filhos, os netos e bisnetos em meio às ausências paternas.”
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